Um velho jargão da política diz que um bom acordo, para ser duradouro, precisa ser ruim para todos os envolvidos, mas não tanto que possa ser rompido. No caso da reforma ministerial à vista, porém, precisa ser bom o suficiente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva formar uma maioria absoluta na Câmara, ou seja, garantir ao menos o apoio de 257 deputados, o quórum mínimo para aprovação de leis ordinárias. A aprovação de emendas constitucionais, por quórum qualificado, ou seja, por mais de três quintos dos deputados, exige o apoio de 308 deputados. Dificilmente, a reforma chegará a isso.
Por essa razão, a decisão de incorporar os partidos Progressistas e Republicanos ao governo Lula pressupõe saber se realmente entregarão os votos de suas bancadas na Câmara, que foram eleitas majoritariamente na base eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não se trata apenas da lealdade dos novos ministros, mas da sua capacidade de amarrar os votos de suas legendas. Essa questão está posta principalmente por causa do União Brasil, cuja bancada majoritariamente votava contra o governo, porque não se sentia representada pela deputada Daniela Carneiro (RJ) no Ministério do Turismo.
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Reforma ministerial vira jogo de intrigas na Esplanada dos MinistériosCenso pode alterar representação de estados na Câmara dos DeputadosAssassinato de Marielle Franco deixou rastro e teve motivaçãoDéficit aumenta 30% enquanto Congresso não vota arcabouço fiscalAções policiais no Rio e São Paulo lembram o "Esquadrão da Morte"Ex-chefe da Abin confirma a omissão da segurança da PresidênciaCPMI dos atos golpistas divide atenções com reforma tributáriaDaniela havia sido indicada pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), juntamente com Juscelino Filho (MA), para o Ministério das Comunicações, e Waldez de Goes (PDT), seu aliado na política do Amapá, para o Ministério do Desenvolvimento Regional e da Integração. Daniela foi substituída por Celso Sabino (União Brasil-PA), mas nada garante que os líderes do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), e na Câmara, Elmar Nascimento (BA), garantam um apoio monolítico de suas bancadas. O presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), já disse que não fará parte da base, mas também não fará oposição sistemática. É uma relação no mínimo pastosa do União Brasil com o governo Lula.
Se olharmos para as grandes votações na Câmara, veremos que as vitórias do governo foram expressivas quando houve convergência de agendas entre a equipe econômica de Lula e a maioria conservadora da Câmara, liderada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Na votação do arcabouço fiscal, o Palácio do Planalto teve apoio de 88% da bancada do União Brasil (50 sim x 7 não), 87% dos Republicanos (34 sim x 5 não) e 85% do PP (39 sim x 7 não). No caso da reforma tributária, o apoio do União Brasil caiu para 81% (48 sim x 11 não), o do Republicanos subiu para 88% (36 sim x e não) e do PP baixou para 82% (40 sim x 9 não).
O problema é quando a agenda é de interesse exclusivo do governo, que precisa da solidariedade do Legislativo. Na reestruturação ministerial, o apoio do União Brasil caiu para 59% (35 sim x 15 não), do Republicanos para 74% (31 sim x 7 não) e do PP para 69%. A grande incógnita é exatamente essa: qual será o posicionamento do Centrão quando entrar em jogo a agenda social do governo e a questão dos direitos humanos? Esse é o xadrez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está jogando.
Setores liberais
As mexidas na Esplanada dos Ministérios têm como pano de fundo essa questão. Em princípio, os ministros indicados são aliados de Lula, que o apoiaram nas eleições passadas: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) é aliado histórico do PT, como seu pai, que inclusive o visitou na cadeia, em Curitiba (PR). Como se sabe, quem foi solidário com Lula na hora mais difícil está sendo muito bem tratado pelo presidente da República. André Fufuca (PP-MA), um anfíbio, é aliado de Arthur Lira e do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Muito jovens, ambos dependerão dos caciques de suas legendas para garantir os votos de suas bancadas, além do apoio de Lira.
Uma outra questão é a mudança no caráter do governo Lula, que não tem um programa que unifique a ampla frente democrática que garantiu sua vitória no segundo turno. O programa está na cabeça de Lula e tem como base a velha agenda de seus mandatos passados, o que descontenta setores liberais que o apoiaram no segundo turno. A fraqueza desses setores no Congresso será compensada, sim, pelo ingresso dos setores conservadores no governo, mas isso significará o bloqueio da agenda da renovação da política e dos costumes. A composição do Congresso representa o resultado das eleições de 2022, é a realidade nua e crua; essa aliança à direita, porém, pode se descolar da real correlação de forças na sociedade, favorecendo o sentimento antissistema.
A oposição de extrema-direita está sendo isolada, com o ex-presidente Jair Bolsonaro fora da disputa eleitoral de 2026. Lula tenta evitar o surgimento de uma oposição de centro-direita robusta. Para isso, precisa esvaziar as pretensões dos setores democráticos que ficaram órfãos da terceira via de anteciparem a disputa de 2026, o que dependerá do bom desempenho da economia.
A forma como pretende articular o novo conjunto de forças que integram o governo dependerá agora de quem sairá dos ministérios. Se a opção de Lula for sacrificar o PT e ministros de sua cota pessoal, compensando-os com outros espaços no governo, é um desenho que favorece a aliança com os setores liberais; se os defenestrados forem os ministros de centro, está consolidada uma coalizão que aposta na continuidade da radicalização política e na cooptação dos setores conservadores com cargos e verbas, apenas, o que é um risco em caso de uma crise econômica provocada por fatores externos, com a alta da inflação em razão da guerra da Ucrânia.