Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

O preço da governabilidade é compartilhar poder com Centrão


O novo arcabopuço fiscal desencantou ontem na Câmara, notícia boa para todo mundo, em especial para os moradores de Brasília, que conseguiram manter o Fundo Constitucional que financia a segurança pública e a educação. Seu desenho garante novas regras para o exercício fiscal, uma vez que o antigo teto de gastos, se mantido, exigiria um corte brutal nas despesas do governo, com grande impacto negativo na economia. Além de reduzir os investimentos públicos, seria um sinal péssimo para investidores e empresas, com possível alta da inflação e estagnação da economia. E também um fator de crise institucional.





A próxima etapa agora é a aprovação da reforma tributária, que ainda é objeto de negociações no Senado, em razão das emendas feitas na Câmara. A resistência dos estados do Sul e do Sudeste ainda é grande, principalmente em relação à centralização da arrecadação pela União. Também se negocia a redução das isenções aprovadas na Câmara, cujos jabutis podem provocar o aumento das alíquotas. A reforma tributária será a principal âncora da política econômica do governo Lula, que é protagonista de uma reforma das mais difíceis, discutida há mais de 30 anos no Congresso.

O preço da governabilidade será a participação do Centrão no governo Lula, com dois ministérios e a Caixa Econômica Federal. É um acordo no qual já se conhece os nomes dos santos, os deputados Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa (Republicanos-PE), mas não os milagres. Haveria um remanejamento na equipe de governo, com uma troca de cadeiras dos ministros Wellington Dias (PT), do Desenvolvimento Social, e Márcio Fortes (PSB), nos Portos e Aeroportos.

A presidente da Caixa Econômica, Maria Rita Serrano, também já está no cadafalso. A ex-deputada Margareth Coelho, diretora financeira do Sebrae, é pule de dez para o cargo. Essa é uma expressão dos aficcionados do turfe, significa que um determinado cavalo é muito superior aos demais e tem vitória quase certa. Prata da casa, Serrano não se destacou no cargo, que sempre foi muito cobiçado pelos políticos. Lula viajou para a África do Sul, mas deixou tudo acertado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com quem passará a compartilhar o poder, mas não antes da aprovação dos projetos de governo que estão na pauta da Câmara. Os partidos de esquerda que compõem o governo e os aliados de centro, principalmente do MDB, também, mas há uma diferença fundamental: hoje, Lira é presidente da Câmara e não compartilha esse poder com ninguém. Mas deixará o cargo em 2025 e terá duas opções, se incorporar ao governo ou passar à oposição. 

Conciliação


Naturalmente, o PT e seus aliados de esquerda, que perderão poder, torcem o nariz para a aliança com Lira, mas era inevitável. A favor do presidente da Câmara conta muito seu posicionamento no dia 8 de janeiro, quando houve uma tentativa de golpe, mesmo tendo apoiado a reeleição de Bolsonaro. Lula e Lira jogam uma partida em que alternam surda confrontação e cooperação. Nesse “tit for tat”, sempre acaba prevalecendo a cooperação como estratégia mais vantajosa do que o jogo de soma zero para ambas as partes: o confronto. Em inglês, qualquer represália paga na mesma moeda é chamada de “tit for tat”. A expressão vem do holandês “dit vor dat” (“este por esse”), que corresponde a outra expressão inglesa usada no latim original, “quid pro quo” (“uma coisa pela outra”) ou “compensação”. Na teoria dos jogos, segundo o famoso astrofísico norte-americano Carl Sagan (capítulo “As regras do jogo” do livro “Bilhões e bilhões”) é a melhor estratégia para construir uma relação de cooperação num ambiente competitivo.





Na política brasileira, o nome disso é conciliação. Os políticos nordestinos, desde o Império, são mestres na composição política pelo alto, graças à qual muitas crises institucionais foram superadas ou evitadas pelo Congresso. Quando isso não aconteceu, presidentes foram apegados do poder. Lula sabe disso, acompanhou dramaticamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Lira também sabe que a conciliação pelo alto não elimina a disputa política local, o que será demonstrado nas próximas eleições. O PP e o Republicanos buscaram aproximação com o governo porque são partidos de vocação governista, teriam muitas dificuldades eleitorais, principalmente no Nordeste, batendo de frente com o governo Lula, ao mesmo tempo em que enfrentariam os partidos de esquerda, principalmente o PT, na disputa pelas prefeituras nas eleições municipais.