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Estado de Minas OPINIÃO

Violência contra negros é um problema para imagem do governo Lula

"Urge regularizar as terras dessas comunidades e lhes garantir proteção, para que possam morar, trabalhar, produzir, preservar seus costumes e cultura"


27/08/2023 04:00 - atualizado 27/08/2023 07:11
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foto de mãe bernadete
"Nos últimos 10 anos, 11 quilombolas baianos foram mortos, segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)" (foto: Reprodução/Redes Sociais)
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na quarta-feira (23/8), no Diário Oficial da União, notificou 44 proprietários ou ocupantes identificados dentro do Quilombo Pitanga dos Palmares.

A notificação é resultado da luta secular dos negros residentes no local, mas só aconteceu porque Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, foi assassinada no dia 17. O Incra levou seis anos para fazer a simples notificação. Ou seja, o problema vem de antes do governo Jair Bolsonaro.

O conflito agrário é uma das causas da violência contra aquela comunidade, que perdeu duas de suas lideranças, Mãe Bernadete e seu filho. Em 2017, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, foi morto a tiros enquanto deixava os filhos na escola. Muito provavelmente, um dos ocupantes da região foi o mandante do crime.

A demora da notificação é atribuída à pandemia e ao número reduzido de funcionários do Incra, mas isso é muito mais um pretexto. A Bahia tem 380 processos de regularização fundiária e mais de 220 processos de desapropriação de imóveis rurais. É o estado da federação com a maior população quilombola do país, com mais de 600 comunidades certificadas pela Fundação Palmares.

Nos últimos 10 anos, 11 quilombolas baianos foram mortos, segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Essas mortes escancaram a violência contra os quilombolas, muitas vezes em razão de ocuparem terras que hoje são muito cobiçadas, como é o caso de Pitanga dos Palmares, na Região Metropolitana de Salvador.

Esses interesses se somam ao preconceito e à discriminação aos líderes e praticantes de cultos afro-brasileiros. Essa associação entre quilombos e religião foi fundamental para a preservação dessas comunidades e a resistência contra o racismo. Não à toa seus líderes religiosos sofrem perseguições constantes.

Os negros brasileiros cultuam seus orixás, os espíritos antepassados e a natureza. As práticas religiosas durante a escravidão, mesmo quando obrigadas ao sincretismo com o catolicismo, eram uma representação da vida em liberdade que os escravos desfrutaram na África e que ganharia materialidade nos quilombos, refúgio de ex-escravos fugitivos e/ou libertos, o mais famoso o de Palmares, nas Alagoas.

Outras manifestações culturais, do samba à capoeira, das rodas de congo e à capoeira, também foram muito reprimidas. A perseguição aos cultos religiosos de matriz africana, porém, persiste até hoje.

Os primeiros registros dos rituais dos cultos de matriz africana se devem a João do Rio, no livro “As religiões do Rio”, e ao médico baiano Nina Rodrigues, autor de “O animismo fetichista dos negros baianos”, que denunciou a perseguição aos terreiros e a violência policial contra seus praticantes.

Até a Constituição de 1946, não havia liberdade religiosa no Brasil. O Código Penal republicano de 1890 proibia “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis e incuráveis, enfim, fascinar e subjugar a credulidade pública”.

População em risco

Ao contrário do que ocorria até 1940, o que acontece hoje não tem a chancela oficial do Estado, mas a violência e as perseguições continuam, apesar de a Lei 9.459, de 1997, considerar crime inafiançável e imprescritível a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

Censo Demográfico 2022 mostrou que a nossa população quilombola é de 1.327.802 pessoas, correspondendo a 0,65% da população. Há 1.696 municípios com população quilombola e 473.970 domicílios permanentes.

Nordeste, com 905.415 quilombolas, estão 68,2% da população quilombola, seguido do Sudeste, com 182.305 pessoas, e o Norte, com 166.069 pessoas, que contabilizam 26,24% da população quilombola. Com 5,57%, as regiões Centro-Oeste e Sul têm muito menos, 44.957 e 29.056 pessoas, respectivamente.

A Bahia, com 397.059 pessoas, sozinha, tem 29,90% da população quilombola recenseada. Em seguida vem o Maranhão, com 269.074 pessoas, ou seja, 20,26%. Estão concentrados nesses dois estados 50,17% da população quilombola. Roraima e Acre não têm presença quilombola.

Senhor do Bonfim (BA), com 15.999, seguido de Salvador, com 15.897, Alcântara (MA) com 15.616 e de Januária (MG), concentram 15 mil pessoas. Os 494 territórios oficialmente delimitados representam apenas 12,59% da população quilombola (167.202 pessoas).

Temos 160.600 (87,41%) quilombolas em situação de risco. Com a expansão urbana e das fronteiras agrícolas, muitas dessas localidades se tornaram área de conflitos sob forte pressão de milicianos, nos centros urbanos, e de grileiros, nas áreas rurais. Urge regularizar as terras dessas comunidades e lhes garantir proteção, para que possam morar, trabalhar, produzir, preservar seus costumes e cultura.

Há soluções possíveis para esses conflitos, como no Terminal Portuário de Alcântara, no qual a GPT (Grão Para e Maranhão), que reúne investidores portugueses e alemães, fez uma parceria com os quilombolas, que receberam benfeitorias e participação financeira no empreendimento.

O governo Lula tem dois ministros com enorme responsabilidade quanto à situação dos quilombolas, seja pelos cargos que ocupam, seja porque foram governadores da Bahia e do Maranhão: o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), e o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), respectiva.

Ou seja, ambos têm um grande passivo nessa questão. A violência contra os negros, em especial os quilombolas, contraria a narrativa do governo Lula, cuja imagem é desgastada pelos assassinatos e perseguições aos quilombolas, especialmente na Bahia.

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