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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Em tempos de guerra, a ofensiva conservadora no Congresso

Agenda identitária, que serviu como refúgio da esquerda durante o governo Bolsonaro, passou a ser da extrema-direita


11/10/2023 04:00 - atualizado 11/10/2023 10:09
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É muito provável que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Rui Falcão (PT-SP), barra a proposta
É muito provável que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Rui Falcão (PT-SP), barra a proposta (foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL)

Quando todas as atenções estão voltadas para Israel e a Faixa de Gaza, onde acontece uma carnificina, deste o brutal ataque terrorista do Hamas ao território israelense, as forças conservadoras no Congresso mantêm a ofensiva contra os direitos das minorias e decisões tomadas pelo Supremo com objetivo de protegê-las, como aconteceu com a questão do marco temporal das terras indígenas a partir da Constituição de 1988, rejeitada pela Corte.

Nesta terça-feira, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) aprovou o relatório do deputado Pastor Eurico (PL-PE), que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto prevê, além da proibição, que padres, pastores e líderes religiosos não sejam obrigados a realizar cerimônia de união homoafetiva e que, essas uniões, sejam asseguradas por um contrato de sociedade. Ou seja, propõe a revogação de decisão já tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base na Constituição.

É muito provável que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Rui Falcão (PT-SP), pela qual deve ser examinada, engavete a proposta. Mas se a colocar em votação, provavelmente será aprovada, porque a maioria dos deputados da CCJ também é conservadora. O que está acontecendo no Congresso é que a extrema-direita, sob liderança do PL, conseguiu se rearticular com as bancadas ruralista, evangélica e “da bala” para fazer frente ao governo, da agenda econômica aos costumes, mas é nesta última que está a prioridade. Não é uma coisa fortuita, é uma estratégia que reflete a articulação da extrema-direita mundial.

No Brasil, a demonstração de que se trata de uma estratégia organizada foi a espetacular vitória dos setores evangélicos e bolsonaristas nas eleições para os conselhos tutelares, em todo o país. A senadora Damares Alves (PL-DF), evangélica e ex-ministra de Bolsonaro, foi a grande artífice da articulação. O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo que zela pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

O analista de rede e professor Sérgio Denícoli, da AP Exata, no último dia 6, em seu Blog no Estadão, chamava atenção para o fato de que a questão da proteção às crianças tem conquistado mais protagonismo. “O tema ganhou impulso a partir de uma nova orquestração que abarca militância política e guerra cultural, a partir do momento em que a direita buscou o tema como estratégia para avançar por esferas além da política partidária.”

Segundo ele, é uma pauta internacional. Haveria um certo consenso entre conservadores de todo mundo de que a esquerda domina setores importantes, como universidades e entretenimento. “Incentivada por esse pensamento, a direita tem investido não apenas na guerra política, mas também na guerra cultural, criando uma infinidade de canais próprios de difusão de informação. Isso tem ajudado a consolidar o movimento conservador como algo identitário. A partir do momento que alguém se identifica como conservador, passa a receber uma grande infinidade de informações aptas a esse pensamento”, avalia.

Reação homofóbica

Denicoli chama a atenção para o filme “Som da liberdade”, que teve um financiamento coletivo. A produção aborda a questão do tráfico de crianças, e tem sido indicada nas redes por líderes políticos e empresariais importantes, como Donald Trump e Elon Musk, respectivamente. Personalidades, líderes religiosos  e políticos identificados com o bolsonarismo lotaram os  cinemas brasileiros de fiéis de diversas igrejas, que se reúnem para assistir ao filme. O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa, Michele, fizeram questão de divulgar nas suas redes que assistiram ao filme.

A agenda identitária, que serviu como refúgio da esquerda durante o governo Bolsonaro, agora passou a ser a agenda da extrema-direita, com sinal trocado. De certa maneira, o sectarismo e certa ingenuidade da esquerda e dos grupos de equidade de gênero, raça e diversidade facilitam o trabalho dos conservadores, como no episódio da dancinha erotizada num evento oficial do SUS. A sigla LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queer, interssexual, assexual e pansexual; o mais diz que outras identidades podem surgir), que resume a revolução de gênero, foi estigmatizada como ameaça aos bons costumes.

A questão central é que a vida e a liberdade podem ser destruídas, mas não podem ser separadas, como disse Thomas Jefferson, o principal autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, cuja ideia-força moveu a campanha pelos direitos civis liderada por Martin Luther King Jr nos Estados Unidos: “Todos os homens são iguais. A eles foram direitos inerentes e inalienáveis.”

Devemos ao britânico John Stuart Mill, no seu famoso “Ensaio sobre a liberdade, em meados século XIX”, a tese seminal do liberalismo moderno: a liberdade individual é o alicerce de uma sociedade saudável. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”, sustentou àquela época, em que a noção de democracia estava associada exclusivamente à vontade do que chamou de “ditadura da maioria”, sem levar em conta os direitos das minorias. Mill defendia que o princípio da liberdade individual deveria ser aplicado ao pensamento, às expressões de opinião e às ações. Quando esse princípio é desrespeitado pela maioria, o que existe por trás é um projeto político “iliberal”, ou seja governos autoritários eleitos.

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