Mais importante escritor brasileiro, Machado de Assis orgulhava-se de ter iniciado suas atividades profissionais como jornalista, aos 20 anos, fazendo a cobertura das sessões do Senado do Império, a partir de 1860. Começou no liberal “Diário do Rio de Janeiro”, sob a direção de Saldanha Marinho. O chefe de redação era Quintino Bocaiuva, de quem se tornou um grande amigo. Sua missão era fazer a resenha dos debates do Senado, além de eventuais críticas teatrais. Essa experiência foi decisiva para o escritor, obrigado a escrever diariamente e enfrentar o grande público, tendo de relatar e refletir sobre os fatos políticos da época.
Com o tempo, deslocou suas críticas dos políticos para a própria instituição, que descreve como uma vetusta instituição: “Os homens que não são sérios e graves – escreve Machado—são exatamente os homens sérios e graves”. Machado de Assis registrou a velha política de conciliação entre liberais e conservadores e a emergência dos republicanos, entre os quais viria a pontificar Quintino Bocaiuva.
Embora liberal e abolicionista, Machado de Assis compartilhava da opinião de Joaquim Nabuco sobre a monarquia constitucional, cuja corte o acolheu como escritor e personalidade da vida nacional. Por isso mesmo, enaltecia a aristocracia iluminista que pôs de pé o Estado nacional brasileiro, antes mesmo de o país se constituir plenamente como nação. Em 1899, dez anos após a proclamação da República, escreveu a crônica “O velho Senado”, em que tece suas considerações sobre a vida política no Solar do Conde dos Arcos, no antigo campo de Santana, local onde o Senado funcionou entre 1826 a 1925.
Essa crônica fez parte da coletânea intitulada “Páginas recolhidas”, que fez sucesso na época: “Diante daqueles homens que eu via ali juntos, todos os dias, é preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da maioridade (1840), algum da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte (1824). Tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regímen, e eu era um adolescente espantado e curioso”, escreveu. Segundo Carlos Castello Branco, o escritor traçou para a posteridade “retratos imperecíveis dos modelos de sua paisagem humana, entre eles alguns homens excepcionais como Paranhos do Rio Branco, modelo de parlamentar e de homem público que é um paradigma dos grandes vultos que dotaram um país pobre e ainda em formação de figuras titulares.”
“E após ele vieram outros, e ainda outros, Sapucaí, Maranguape, Itaúna, e outros mais, até que se confundiram todos e desapareceu tudo, cousas e pessoas, como sucede às visões. Pareceu-me vê-los enfiar por um corredor escuro, cuja porta era fechada por um homem de capa preta, meias de seda preta, calções pretos e sapatos de fivela. Este era nada menos que o próprio porteiro do Senado, vestido segundo as praxes do tempo, nos dias de abertura e encerramento da assembleia geral”, descreveria Machado. Para arrematar: “Quanta coisa obsoleta!”
Derrota de alto custo
Na quarta-feira, o plenário do Senado rejeitou a indicação de Igor Roberto Albuquerque Roque para o cargo de defensor público-geral federal. Foram 38 votos contrários, 35 favoráveis e uma abstenção. O relator da indicação, senador Humberto Costa (PT-PE), pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para pôr a indicação em votação sem se dar conta de que não teria maioria para sua aprovação. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), levou uma bola nas costas, mas não esperneou. As prioridades do governo são outras, numa Casa que se tornou hostil ao Supremo Tribunal federal (STF) e, agora, parte para cima do presidente Luiz Inácio da Silva.
Uma declaração favorável à legalização do aborto foi o pretexto para a derrubada da indicação, agora o governo terá que fazer uma nova indicação para a Defensoria Pública da União, que cuida principalmente dos mais pobres e das minorias. Entretanto, o pano de fundo é a sucessão da Presidência do Senado. Pacheco, o político mineiro que durante o governo Bolsonaro foi uma espécie de algodão entre os cristais, apoia a volta do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) ao comando da Casa. Retribui o apoio que dele recebera para se eleger presidente do Senado, sendo ainda um senador em começo de mandato.
Há um realinhamento de forças no Senado. A candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) ao comando do Senado, contra Pacheco, havia isolado a oposição; agora, não, os senadores bolsonaristas já decidiram apoiar a volta de Alcolumbre. No comando da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, agora, joga mais pesado com o presidente Lula do que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Se Lula entregou a presidência da Caixa para os deputados do Centrão, o que entregará a Alcolumbre na Presidência do Senado, o Banco do Brasil?