O governo está de olho no bolso do contribuinte, que pode ter que pagar parte da conta para a criação do Renda Brasil. Depois de enviar ao Congresso, na segunda-feira, um orçamento sem previsão de recursos para o pagamento do benefício que substituirá o auxílio emergencial e o programa Bolsa-Família, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que os recursos para o programa virão do “andar de cima” – leia-se, classe média e classe média alta – sem detalhar o que isso significa. O próprio ministro já sinalizou que a intenção é acabar com as deduções no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, o contribuinte deduz R$ 3.561,60 com a educação e R$ 2.275,08 por dependente, e pode abater, sem limite, gastos com a saúde. Além disso, até R$ 1.903,98 todos os contribuintes estão isentos.
Leia Mais
Mais um ministro em rota de colisão com o presidente BolsonaroÀ espera da prorrogação do auxílio emergencial até o fim do anoComércio reage com ajuda do auxílio que vira ameaça ao teto de gastosVÍDEO: especialista dá dicas para economizar nas compras de alimentosA advogada especialista em direito tributário Nara Miranda lembra que as deduções serão retiradas da base de cálculo, elevando o valor sobre o qual incide o imposto, o que, mesmo sem alterar as alíquotas, aumenta o desembolso do contribuinte.
Numa conta simplificada e apenas para exemplificar, Nara Miranda mostra o impacto para o contribuinte apenas com o fim das deduções por dependente e de educação.
Considerando um contribuinte autônomo com renda mensal de R$ 7 mil e um filho em idade escolar, da sua renda anual de R$ 84.000 ele pode deduzir a contribuição ao INSS de 11% (para se aposentar por tempo de serviço), ou R$ 9.240; o dependente (R$ 2.275,08) e a escola (R$ 3.561) e chegará a R$ 68.923,42 de base de cálculo. Considerando a alíquota de 27,5% e a faixa de isenção de 10.432,32, teria que pagar R$ 8.521,62. Sem essas deduções, a base seria de R$ 74.760 e com a mesma alíquota e isenção, ele teria que pagar R$ 10.126,68. Exatos R$ 1.605,06 a mais.
“A educação é muito pouco. A saúde tem um impacto muito maior, porque os custos com atenção médica são muito altos”, observa a advogada tributarista, sócia do escritório Tinoco e Miranda. No cálculo acima, considerando despesas médicas, o contribuinte teria ainda menos imposto a pagar, o que eleva o impacto da retirada da dedução dos gastos de saúde. O governo diz que o corte das deduções será acompanhado de mudança nas alíquotas, com a máxima caindo para 25%, e correção na tabela do Imposto de Renda, com aumento da faixa de isenção. Segundo o Ministério da Economia, essas mudanças compensariam o fim das deduções.
Mas o que há até agora são promessas do governo. Assim como ainda são apenas promessas de campanha feitas pelo presidente Jair Bolsonaro elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil, ou, feitas após a posse, corrigir a tabela para R$ 3 mil. Essa correção, que ainda seria insuficiente para corrigir a defasagem de mais de 100% no valor mínimo para pagar imposto, hoje de R$ 1.903,98, teria um custo de R$ 22 bilhões para a Receita Federal, segundo Guedes.
Como a necessidade do governo é fazer caixa, é pouco provável que essa correção ou mudança nas alíquotas sejam feitas junto com o fim das deduções. Em todas essas medidas, lembra Nara Miranda, é necessária a aprovação de legislação respeitando o prazo de 90 dias para vigência e o princípio da anualidade. Isso significa que se o governo quiser contar com essa receita em 2021, terá que encaminhar a proposta de alteração para o Congresso Nacional ainda este ano. E como teremos eleições, o quórum para aprovar medidas impopulares para os contribuintes deve ser muito baixo.
Mordida do Leão
R$ 3.881,65 Seria a faixa de isenção mensal do Imposto de Renda este ano com a correção da defasagem da tabela, segundo cálculo do Sindifisco
Complexidade
A advogada especialista em direito tributário Nara Miranda defende uma reforma tributária que simplifique a vida das empresas. Ela lembra que, segundo o Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam 1.500 horas com obrigações acessórias de impostos. “O Brasil é o penúltimo no ranking de obrigações acessórias e isso afeta o risco Brasil e a decisão de investimentos no país”, diz ela.
Sonegação alta
Dados do Ministério da Economia estimam que a sonegação fiscal cause prejuízo de R$ 540 bilhões ao país, com mais R$ 72 bilhões sendo perdidos anualmente por causa da burocracia declaratória. Esses dados foram apresentados no início do mês passado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso. Para Guedes, o Brasil é um “manicômio tributário”.