É notória a dificuldade de Jair Bolsonaro para entender as atribuições da Presidência da República. Apesar de já ter passado um semestre no governo, a cada dia revela profundo desconhecimento do que pode e deve fazer, de acordo com o que dispõe a Constituição. Dá a impressão de que é um personagem de uma comédia-pastelão que subitamente é alçado ao cargo por engano e que não sabe como agir, desconhecendo completamente suas tarefas. O público ri das gagues e no final tudo fica esclarecido com a ascensão do presidente de fato. A diferença – e que diferença! – é que Bolsonaro é o presidente de um país que é a oitava economia do mundo e que vive a crise mais grave crise da história republicana.
A recente designação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington é somente mais uma demonstração deste desvio funcional. Ainda não foi confirmada a escolha, pode até ser um blefe para apontar alguém mais identificado com a carreira diplomática, mas que professe o extremismo de direita com mais classe, como Nestor Forster. Porém, até segunda ordem, Bolsonaro insiste na designação do seu filho. É o posto mais importante para o Itamaraty. Ele não entendeu qual é o papel de um embaixador. Acredita que a relação com os Estados Unidos não passa de uma questão entre as famílias Trump e Bolsonaro. Apresentou como uma das justificativas a suposta amizade de Eduardo com os filhos do presidente americano. Supõe também que é uma relação entre governos, o seu e o de Trump. Não é nem uma coisa, nem outra. A embaixada é a materialização de uma relação entre estados, a República Federativa do Brasil e os Estados Unidos da América.
Ou seja, não é um assunto de família ou de governo, que são transitórios. Contudo, insiste em banalizar uma questão importantíssima para o nosso país. E mais: destrói o princípio da meritocracia, tão caro ao Itamaraty. É de conhecimento público que para chegar a este cargo são necessários anos de estudo, de trabalho e de missões em diversos continentes. Insistir no nome do filho também revela um traço do presidente – e que não é de hoje: o filhotismo. Usa das benesses oficiais como se fossem dádivas pessoais. Introduziu na política quatro familiares, além dele próprio. E acredita que deve manter este comportamento no Palácio do Planalto. Crê que a embaixada em Washington é um assunto doméstico, que ele pode fazer o que bem deseja. Não consegue entender que é uma questão de Estado, que transcende o universo familiar ou de um governo. Se insistir, caberá ao Senado usar do que determina a Constituição (artigo 52, inciso 4) e vetar. Se aceitar, o Brasil estará à altura de uma Arábia Saudita ou de uma republiqueta bananeira. Nesta hora fico pensando no Barão do Rio Branco. Deve estar se virando, virando, no túmulo.
Tudo isso poderia ter sido evitado se Ernesto Araújo fosse um diplomata à altura das tradições do Itamaraty. Contudo, ele está a serviço do pornofilósofo da Virginia. Foi colocado no cargo por indicação do guru do presidente. Era, até então, um desconhecido. Subverteu toda estrutura da Casa de Rio Branco. Nos fóruns internacionais o Brasil passou a votar acompanhando os países muçulmanos, como em questões envolvendo as mulheres, rompendo, inclusive, com o que determina a nossa Constituição (artigo 4º). É um grande salto para trás e que, até o momento, não foi percebido pelos brasileiros. Hoje somos parceiros de ditaduras, de regimes autocráticos.
E Eduardo Bolsonaro? Quais são as suas credenciais? Diz que fez intercâmbio, que fala inglês e que fritou hamburguer nos Estados Unidos. Só, somente isso. É um currículo digno de filho do ditador Rafael Trujillo. Mas não estamos na República Dominicana dos anos 1950. Vivemos no século 21 e em um país democrático. O rapaz mal sabe identificar os continentes em um planisfério. Nunca escreveu sequer um artigo tratando de relações internacionais. Fez algum curso na área? Não. O que leu sobre a história da diplomacia brasileira? Nada. Ficou conhecido por cortejar como um serviçal a família Trump e por posar com um boné apoiando o presidente americano. O servilismo é tão evidente que aceitou ser o representante na América do Sul da organização de extrema-direita criada por Steve Bannon. Ou seja, está a serviço de uma entidade estrangeira (que apoia os governos antissemitas da Hungria e da Polônia), que advoga ideias extremistas, colocando em risco a segurança nacional. Será embaixador do Brasil ou do governo do pai? Ou ainda do próprio pai, exclusivamente? E Bannon vai ser o real representante do Brasil em Washington? Chegaremos a isso? Permitiremos esta humilhação?
Vivemos uma hora de decisão. É necessário dar um basta. Jair Bolsonaro não pode rasgar a nossa Constituição. O Brasil não aceitará estar à soldo de uma potência estrangeira. Nossa soberania não está à venda. Não podemos aceitar que o posto ocupado, um dia, por Joaquim Nabuco seja maculado por um inepto.