A República nasceu de um golpe militar. A participação popular nos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 foi nula. O novo regime nasceu velho. Os republicanos da propaganda – aqueles que entre 1870, data do Manifesto, e 1889, divulgaram a ideia republicana em atos públicos, jornais, panfletos e livros – acabaram excluídos do novo regime. Júlio Ribeiro, Silva Jardim e Lopes Trovão, só para recordar alguns nomes, foram relegados a plano secundário, considerados meros agitadores. O vazio no poder foi imediatamente preenchido por uma elite política que durante decênios excluiu a participação popular. As sucessões regulares dos presidentes durante a Primeira República (1889-1930) foram marcadas por eleições fraudulentas e pela violência contra aqueles que denunciavam a manipulação do voto.
Os opositores passaram a questionar o regime. Se apontavam corretamente as falácias do sistema eleitoral, indicavam como meio de superação, como disse um deles, desses “governichos criminosos”, a violência, a tomada pelas armas do Estado. E mais: que qualquer reforma só poderia ter êxito através de um governo ultracentralizador, instrumento indispensável para combater os poderosos, os senhores do baraço e do cutelo, como escreveu Euclides da Cunha. Assim, o ideal mudancista tinha no seu interior um desprezo pela democracia. Acentuava a defesa de um novo regime para atender as demandas da maioria, mas com características autoritárias. Alguns até imaginavam que o autoritarismo seria um estágio indispensável para chegar à democracia.
A Revolução de 1930 construiu o moderno Estado brasileiro. Enfrentou vários desafios e deu um passo adiante no reformismo nacional. Porém, aprofundou as contradições. Se, de um lado, foram adotados o voto secreto, a Justiça Eleitoral, o voto feminino, conquistas importantes, manteve uma visão de mundo autoritária, como ficou patente desde 1935, com a repressão à rebelião comunista de novembro, e mais ainda após a implantação da ditadura do Estado Novo, dois anos depois.
A vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial deu alguma esperança de, pela primeira vez, caminharmos para o nascimento de uma ordem democrática. A Constituição de 1946 sinalizou este momento. O crescimento econômico, a urbanização, o fabuloso deslocamento populacional do Nordeste para o Sul-Sudeste, a explosão cultural-artística – que vinha desde os anos 1930 – foram fatores importantes para o aprofundamento das ideias liberal-democráticas, mesmo com a permanência do autoritarismo sob novas vestes, como no ideário comunista, tão influente naquele período. O ano de 1964 foi o ponto culminante deste processo. A democracia foi golpeada à direita e à esquerda. Para uns era o instrumento da subversão, para outros um biombo utilizado pela burguesia para manter sua dominação de classe.
Paradoxalmente foi durante o regime militar – especialmente no período ditatorial, entre os anos 1968-1978 – que os valores democráticos ganharam enorme importância. A resistência ao arbítrio foi edificando um conjunto de valores essenciais para termos uma cultura política democrática. E foram estes que conduziram ao fim do regime e à eleição de Tancredo Neves, em janeiro de 1985.
Nos últimos 30 anos, apesar das sucessivas eleições, a cultura democrática pouco avançou. O processo eleitoral de outubro de 2018 reforçou este quadro de hostilidade à política. A renovação nominal não melhorou a representação política. E, como em um movimento circular, as ideias autoritárias estão de volta. Vai se formando mais uma geração de desiludidos com a República. Porém, diferentemente dos anos posteriores à Proclamação da República ou dos anos 1910-1930, o autoritarismo perdeu a aura do reformismo. Não se fala mais em Estado forte como caminho à democracia ou de enfrentamento do poder coronelístico; ou, ainda, como agente motor do crescimento econômico e da soberania nacional. Foi substituído pelo culto do mercado e do privatismo. Até o Exército se converteu ao novo credo, isto quando se notabilizou durante o século 20 pela defesa enfática do nacionalismo e da expansão das atividades das empresas estatais – basta recordar o período do regime militar (1964-1985).
Este autoritarismo do século 21 se notabiliza pela negação da modernidade e pela aceitação do Brasil como um apêndice dos Estados Unidos. O nacionalismo desapareceu da pauta política. O desejo de submissão é patente. Basta recordar a patética visita de Jair Bolsonaro à Casa Branca, a subserviência frente a Donald Trump e a designação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada de Washington com a missão de se colocar a serviço dos interesses imperialistas, especialmente da entrega do subsolo nacional às empresas americanas, como manifestado recentemente pelo ocupante do Palácio do Planalto. Nestas horas fico imaginando o que pensariam os tenentistas, Oliveira Vianna e Alberto Torres.
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