Jair Bolsonaro é um acidente na história brasileira. É produto de uma conjuntura específica que dificilmente irá se repetir. É um aventureiro que deu certo. E produto de um longo processo de desmoralização dos valores republicanos patrocinado especialmente, mas não só, pelo Partido dos Trabalhadores. Tudo ficou mais fácil com a ida ao segundo turno do candidato opositor, patrocinado por um sentenciado. Era tudo o que ele queria. O eleitorado majoritariamente sufragou seu nome com o temor – mais que justificado – do retorno dos organizadores do maior desvio de recursos públicos da história, o petrolão. Foi a eleição do medo. O país desconhecia suas ideias. Somente participou de um debate televisivo – e foi mal. Os eleitores votaram nele sem conhecer seu programa, que, a bem da verdade, o então candidato nem sequer apresentou.
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Líder do governo Bolsonaro no Senado é alvo da Polícia FederalForo para Flávio Bolsonaro causa embate no MP do RioCarlos Bolsonaro diz que pai 'está bem' e prepara discurso da ONUFazendo questão, a todo momento, de demonstrar de que somente ele, Jair Bolsonaro, manda no governo – o que pode ser entendido como fraqueza e não força –, o presidente foi se isolando. Passou a priorizar o mundo paralelo que o cercou durante as três décadas de vida parlamentar. Buscou dar sucessivas declarações públicas para, segundo sua lógica tão particular, afirmar sua autoridade. Também insistiu em aparições públicas falando para plateias domesticadas. Enquanto isso, no Congresso Nacional, sua base de apoio foi diminuindo. As principais lideranças parlamentares estão em compasso de espera. Sabem que o governo poderá ter vida curta, e que nada será aprovado sem a sua concordância.
As pesquisas de opinião demonstram que o governo caminha para no final do ano atingir um índice de desaprovação superior a 50%. Não indica que possa retirar o país da estagnação econômica. O presidente passou a focar temas afeitos às questões de gênero. É uma estratégia que pode ter eficácia eleitoral, mas que nada agrega em termos políticos e, especialmente, no campo econômico. Ou seja, Bolsonaro tem entendido o ato de governar como se fosse uma extensão do processo eleitoral. Este engano pode ser fatal às suas pretensões.
O isolamento político poderá levar a um processo de radicalização ainda maior do discurso bolsonarista. Ao ampliar o espaço na mídia com constantes declarações incendiárias, passará a falar mais para cada vez menos adeptos. O Legislativo e o Judiciário – além da Constituição – poderão ser responsabilizados pelos fracassos governamentais. O objetivo de jogar a população contra o Estado democrático de direito não deverá prosperar. Cabe observar que isso já está sendo feito – e não é de agora. Basta observar as sucessivas declarações do presidente e de seu clã atacando as instituições – é inesquecível a declaração de Eduardo Bolsonaro de que bastam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal. Há 10 dias, Carlos Bolsonaro disse que o sistema democrático era um empecilho ao governo. E foi referendo pelo pai logo ao sair do hospital, em São Paulo, que concordou, em tese, com as observações do filho. Este método de solapamento contínuo dos valores democráticos, se persistir, conduzirá o país a uma grave crise política.
Nos últimos 100 dias de 2019, Jair Bolsonaro vai ter de escolher se pretende manter o caminho de embate com os valores democrático-constitucionais ou se irá se amoldar aos preceitos da Carta de 1988, fazer política republicana e construir maiorias para que haja condições de governabilidade. O país clama por estabilidade e uma direção governamental segura. Depois de 200 dias de Bolsonaro à frente do Palácio do Planalto, nada indica que isso vá ocorrer. O cenário é de turbulência política, estagnação econômica e de uma possível crise social.