Definir os estoques para as vendas de um fim de ano marcado por inflação elevada e dólar valorizado em período de desemprego alto e renda em baixa é desafio até para o comércio especializado de produtos típicos da época. A estratégia, por enquanto, é ficar na retaguarda e sondar com cautela os fornecedores, sobretudo as importadoras.
As encomendas só devem ser feitas no mês que vem por comerciantes que preferem a cautela em vez do otimismo, mesmo diante do esperado fim do jejum da festa natalina de quase dois anos imposto à população pela pandemia da COVID-19.
Frutas secas, castanhas, bacalhau, azeites e outras iguarias representam parcela fundamental do faturamento do setor, em boa parte constituído de pequenas empresas sem o poder de barganha dos hipermercados na hora de negociar a reposição nas prateleiras. Difícil fugir da cotação do dólar repassado pelos distribuidores, observa Antonio Sérgio Tavares, proprietário do Império dos Cocos, empório veterano em itens natalinos no Mercado Central de Belo Horizonte.
“A nossa vantagem é que já temos um estoque regulador de ameixas, passas e castanhas. O que ajuda muito também é a facilidade de comprar dos importadores. Há oferta e os produtos chegam rápido”, afirma. O problema para o consumidor será servir à mesa iguarias como figo turco, avelãs, amêndoas com casca e castanha portuguesa, ao ritmo que o dólar vem mantendo neste ano.
Numa eventual decisão de comprar hoje as castanhas portuguesas, Tavares pagaria entre R$ 80 a R$ 90 pelo quilo do fruto da árvore lusitana encontrada no Norte e Centro do país. Para reforçar o estoque de bacalhau não seria muito diferente. Cotado a R$ 5,5892 na última quarta-feira, o dólar comercial acumulou alta de 7,75% desde janeiro e a inflação atingiu 6,90% no Brasil, medida pelo IPCA do IBGE. Na Grande Belo Horizonte, o custo de vida subiu 6,47%.
Vistas da rampa dos aumentos de preços, além de seu efetivo custo nos balcões do varejo, tanto o bacalhau quanto os demais cortes de carne terão concorrentes ainda distantes da capacidade de previsão das lojas especializadas. Na Grande BH, os últimos 12 meses terminados em setembro marcaram reajuste médio de 20,42% do produto, quase o dobro da inflação de 10,30%.
Os cortes de porco se destacam com remarcações bem mais modestas, de 5,60% em média, do que aquelas aplicadas aos preços de contrafilé (25,33%), alcatra (25,54%) ou às aves e ovos (25,22%), mas o que costuma definir a compra é o orçamento disponível, e o comerciante não se ilude. O aperto financeiro de 2021 está afunilando as possibilidades das famílias, entre realizar o desejo da festa natalina tão adiada sem se endividar; acertar dívidas com atraso; ou encontrar solução que contemple organização da vida financeira, sem se privar da comemoração de fim de ano.
Tavares opta por uma expectativa mais realista das vendas que comporta o uso de ao menos parte do 13º salário dos trabalhadores para acerto com credores e diz não ter dúvida de que a dona de casa vai avaliar com muito cuidado o momento de desembolsar nas feiras e nos mercados, a despeito das tentadoras iguarias oferecidas.
“As pessoas vão pensar duas vezes antes de gastar e temos um público importante de funcionários públicos que estão há muito tempo sem reajuste salarial”, diz o comerciante, que optou pela precaução no negócio. Não é por outro motivo que ele viu as encomendas levarem importadores que preenchiam quatro contêineres reduzir a contratação a apenas um deles. A um mês e 20 dias do Natal, o fluxo dos consumidores nas lojas do mais tradicional mercado do Centro de BH ainda busca o ritmo anterior à crise sanitária. É bastante provável que a festa cristã deste ano seja não só modesta, como também mais brasileira.
*A coluna terá período de interrupção por motivo de férias e retorna no começo de dezembro
PANETONE A PRAZO
Estrela das mesas natalinas, o panetone, embora já tenha se transformado em produto consumido durante todo o ano, já reforçou a presença nas prateleiras dos supermercados para atender às festas. O pão italiano, hoje turbinado com variados recheios, é encontrado em grandes redes de supermercados a partir de R$ 6 a versão míni. A sofisticação da receita cobra do consumidor custo que passa dos R$ 90 no caso da versão de 700 gramas, curiosamente vendida a prazo, em duas parcelas de R$ 46,50. Se a opção do cliente for um panetone de 300g, zero lactose, ele poderá pagar mais de R$ 30 à vista ou em quatro prestações de R$ 8. A indústria surpreende com as novidades e oferece a iguaria também para os animais, com dois pães pet de 80g, ao todo, ao preço de
R$ 24,55.
LADEIRA ABAIXO
-10,2% - Foi a queda do rendimento real habitual, descontada a inflação, do brasileiro, de R$ 2.489, no trimestre de junho a agosto, segundo O IBGE, ante os mesmos meses de 2020