Jesus está em Cafarnaum, andando distraído às margens do mar da Galileia, quando vê os irmãos Pedro e André lançando as redes e os chama para serem “pescadores de homens”. Acostumados ao silêncio do mar e ao balanço das águas, os pescadores agora terão o barulho das multidões. Com mãos calejadas pelo manuseio dos remos, barcos e redes, precisarão de mãos delicadas para abençoar e curar. Em vez da rotina da pesca e do assento apertado nos pequenos barcos, farão longas caminhadas em terra firme. Mais montanha que mar, mais pernas que braços – mudança radical de vida.
Natural de Betsaida, cidade a oriente do mar da Galileia, o modo de falar de Pedro traía o sotaque galileu. Ele dirigia uma pequena empresa de pesca no lago de Genesaré e devia gozar de certo bem-estar econômico. Tinha uma casa que era a maior da redondeza e que serviu como igreja, era judeu praticante, de reações primárias, não pensava para falar, custou a entender o messianismo de Cristo.
Tem uma vida cheia de altos e baixos a partir de então. Depois de ver Jesus alimentar uma multidão com cinco pães e dois peixes, anda com Ele sobre as águas. É considerado por Cristo a rocha, a “pedra fundamental”, onde seria construída a igreja para em seguida ser chamado de pedra de tropeço e de pensar como satanás. Custa a Pedro entender que antes da ressurreição haveria uma cruz.
Durante a prisão de Jesus, Pedro está assentado diante das brasas da fogueira no pátio da casa do sumo sacerdote, onde lá dentro escribas e anciãos julgam o Mestre. O sotaque de galileu não passa despercebido e logo uma criada aproxima-se dizendo que ele estava com Jesus. Pedro nega, sai para a entrada do pátio, nega de novo, muda de lugar, chama a atenção dos guardas e nega pela terceira vez. Focado no conforto pessoal enquanto o Chefe é julgado e condenado, Pedro ouve o galo cantar e chora amargamente.
Alguns dias depois, Pedro está com os discípulos à beira do mar de Tiberíades, na Galileia, ceando com o Cristo ressuscitado que se juntara a eles naquela manhã. Novamente, Pedro está diante de brasas na fogueira quando ouve Jesus perguntar por três vezes se ele o ama. “Tu sabes que te amo, Senhor.” Cristo poderia ter feito um interrogatório pedindo explicações pela traição e atitudes imaturas. Mas o que passou, passou. Pedro vai da negação três vezes dita à confissão de amor três vezes confirmada. Não o conheço. Não o conheço. Não o conheço. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo.
Foi pescador, discípulo e agora é apóstolo. Depois de tanta teimosia, hesitação, medo e momentos de pouca fé, Pedro se torna o grande nome nos primeiros passos da Igreja primitiva. Leva os amigos para um lugar dentro do templo de Jerusalém, cheio de colunas, meio escuro, mas muito popular entre os escribas e anciãos, onde começam a evangelizar os judeus. O medo já tinha ido embora. Agora, ele e os outros apóstolos têm até estratégias, como a de começar a pregar no templo para ter audiência garantida. São presos, torturados, perseguidos – nada os detém.
Hoje, mais de dois mil anos depois, Pedro habita entre nós. Estávamos na rotina dos dias, lançando nossas redes, quando nos deparamos não com um bom homem passando à beira-mar, mas com um inimigo vindo pelo ar e que muito, muito pelo contrário, não gosta de multidões. Nada de barcos, remos, montanhas, reuniões de negócios, viagens, caminhadas debaixo do azul do céu, nada de família reunida, aniversário da neta, missas nas igrejas.
E Pedro que somos, um dia nos sentimos fortes como a rocha, em outras pedimos que nos ajudem a caminhar sobre as águas, em outras somos um tropeço com nossas ideias nem sempre geniais. Não negamos três, mas três vezes três, três vezes trinta e três. Não acredito. Não aceito. Não dou conta.
Como Pedro, não conseguimos ver a luz depois da cruz. Ainda estamos diante da fogueira na casa do sumo sacerdote. Ainda temos medo. Enquanto os cientistas procuram entender melhor o coronavírus, procuremos conhecer melhor a nós mesmos. Façamos do pescador um apóstolo. E acreditemos: haverá luz, haverá luz, haverá luz.