Um carpinteiro, uma jovenzinha simples e um menino Deus. Assim surgiu a Sagrada Família no povoado de Nazaré, na ladeira de uma colina onde viviam um pouco mais de uma centena de pessoas. Como a de Jesus, cada família tem sua história, seu início feito de amor, que começa com o sim de um para o outro e vai colocando mais gente no ninho.
Hoje é Dia das Mães, um domingo de maio, mês de Maria para a Igreja Católica. Tempo de festejar. Falar do amor de mãe, este “desdobrar fibra por fibra o coração”, como escreveu Coelho Neto, para voltarmos lá nos anos 1920 lembrando o escritor carioca, ou o “és do tamanho do céu e apenas menor do que Deus”, na singeleza de Mário Quintana.
A maternidade sempre foi um tema fascinante em todas as épocas da existência humana. Há pouco, um grupo de pesquisadores americanos descobriu, por exemplo, que após o parto há um aumento nas ramificações dos neurônios da mulher, agilizando o processamento das informações, como se quisesse dar uma “força” para as novas tarefas que ela terá pela frente. Talvez isso explique um pouco o fato de muitas mães afirmarem que antes de o filho colocar a chave na fechadura da porta elas “sentem” que ele está chegando em casa.
Por mais esperado que seja um bebê, é quase certa uma dose de insegurança diante do novo cargo que a mulher vai exercer e que mudará para sempre sua vida. O que me leva a mais de dois mil anos atrás, até a Galileia, região ao Norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, uma terra estranha e longínqua, com uma população influenciada por tradições pagãs. Nazaré era nada mais do que uma obscura aldeia e Maria apenas a jovem prometida a um homem chamado José.
É na singeleza desses lugares e personagens que Deus entra na história da humanidade propondo que Maria aceite ser mãe de um filho especial, a quem dará o nome de Jesus (Deus salva). Se na primeira vez os primeiros pais decepcionaram e acabaram expulsos do paraíso, agora Deus tenta novamente entrar no mundo enviando o anjo Gabriel à pobre casa de uma jovenzinha simples, mas determinada.
Para o abade francês Bernardo de Claraval (1090-1153), ao criar a liberdade, Deus, de certo modo, se tornou dependente do homem, “o seu poder está ligado ao ‘sim’ espontâneo de uma pessoa humana”. Doutor da Igreja, Bernardo de Claraval é magistral para ilustrar a visita do anjo ao afirmar que no momento do pedido a Maria, “o céu e a terra como que suspendem a respiração. Dirá ‘sim’? Ela demora... Só por esta vez não seja humilde, mas magnânima. Dá-nos o teu sim”.
Assustada com a perspectiva do compromisso, Maria começa com uma objeção (“Como, se não conheço homem?”) e termina com a resposta de quem se faz instrumento do poder e da grandeza de Deus: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Através de um sim incondicional aos projetos do Pai, realiza-se o mais decisivo ato de fé na história do mundo.
E depois que Maria fica sozinha, sem anjos ao redor? O anjo parte, mas a missão permanece, e indica um longo caminho a percorrer, a começar por contar sobre a gravidez a José, enfrentar a família, os amigos. É esta menina obediente, fiel, cheia de fé, que encanta todas as gerações que vieram depois, citada tanto no Novo Testamento como no Alcorão como a mãe de Jesus através de intervenção divina.
Embora a Sagrada Escritura não fale sobre a infância de Jesus, podemos imaginar Maria dentro da família com suas ocupações, como amassar a farinha e levá-la ao forno para assar o pão da semana, fiar a lã macia e o linho suave e tecer os panos, educar Jesus. Ver o filho santo crescer, encantar doutores da lei aos 12 anos, transformar água em vinho, reunir multidões ao seu redor, ser perseguido e amado.
Até chegar à dor maior de manter-se de pé diante da cruz, receber o corpo chagado do filho e acreditar, fielmente, na ressurreição. Inspirado no livro de Salmos, podemos dizer que a partir de então o dia transmite ao dia e a noite conta a outra noite a história daquela que se tornou mãe através de um “sim”. Toda a terra sempre difundirá a história de Maria.