Jornal Estado de Minas

Padre Alexandre

Uma grande sala de espera

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A pandemia está acabando e o padre não sai do deserto, não é? Agora estamos na fronteira da Terra Prometida, aquela onde corre leite e mel.

Moisés, após conduzir um povo de “cabeça dura” por 40 anos, faz seu discurso de despedida, rememora os acontecimentos, renova as leis e se mostra afligido por um temor: depois de tantos anos enfrentando a humilhação da fome e da sede, sendo colocados à prova, como será que os israelitas vão viver o tempo da fartura?

Antes de passar o comando para Josué, subir ao monte Nebo e morrer, Moisés se preocupa com o que os israelitas vão fazer com a tão sonhada liberdade.



Chegarão a uma terra onde comerão pão sem escassez e sem que nada lhes falte, terra de vinhas e figueiras, com águas correntes, vales e montes.

Que não aconteça que depois de comerem até a fartura, construírem belas casas para nelas morarem, multiplicarem o gado e os bens, se esqueçam do Senhor que os tirou da escravidão do Egito. Que ao desfrutar dos benefícios da terra não se desfaçam da obediência à lei. Enfim, que vivendo no tempo da fartura não esqueçam o tempo da amargura.

Moisés parece falar conosco, não é mesmo? Agora que a pandemia vai se esvaindo, como viveremos o novo tempo? Tem sido complicada a nossa chegada à Terra Prometida.

Teremos que nos adaptar a outra rotina, que não é a que tínhamos antes nem igual a que vivemos agora. À nossa frente, por enquanto, mais dúvidas que verdades comprovadas, mais acho que tenho certeza.

A velha rua da nossa casa continua a mesma, mas nossos pés não são mais os mesmos ao pisar o chão. E então? Esquecimento ou ensinamento?

Como somos mais numerosos que as estrelas do céu, para continuar na imagem bíblica, nossas reações também são as mais variadas. Para alguns nada mudará, pois eles não mudaram com a pandemia, é vida que segue. Até que enfim acabou o que chamam de exagero, “esse vírus como outro qualquer”.





Outros estão assustados com a transitoriedade da vida. Dizem que sabiam que este mundo de abundância que nos foi legado podia desaparecer, já percebiam avisos no aquecimento global, nos terremotos e inundações, mas ainda se perguntam como um jantar de família ou uma reunião de negócios pode nos ser tirado assim de uma hora para a outra.

A força destruidora de um inimigo invisível está trazendo de volta, inclusive, a “Síndrome da Cabana”, nome surgido em 1900 para explicar o que ocorria com alguns trabalhadores norte-americanos que se refugiavam em suas cabanas, sozinhos ou em grupos, durante o rigoroso inverno, e tinham medo de voltar à civilização quando o frio ia embora.

Hoje, depois de ficarem isoladas por tanto tempo, pessoas se angustiam diante da ideia de sair às ruas e retomar o contato social. Preferem que a quarentena não chegue ao fim, não se sentem mais seguras fora do lar.





E há mais gente que não quer sair da cabana: as que se adaptaram à nova rotina, organizaram a vida de modo mais tranquilo, não querem mais pegar trânsito, produzem mais em home office, têm mais tempo para a família, priorizam novos valores.

E neste grupo que só cresce vem se juntar os que não querem sair porque terão muita coisa para fazer quando chegarem em casa: higienizar as compras, lavar as roupas, tomar banho, tarefas que não faziam antes.

Ainda temos o grupo dos que sonham voltar logo à felicidade dos dias, abraçar os netos, encontrar os amigos, festejar aniversários, frequentar uma sala de aula e, principalmente, tirar o medo do coração.

Parece que o tempo da fartura nunca chega. Estamos todos numa imensa sala de espera – só esperando. A cura, a vacina, a certeza, a garantia de que não vai acontecer de novo, uma dose de milagre.

Se me permitem, um conselho de sacerdote: “Prendei a fé na palma da mão e na alma, ensinai a fé a vossos filhos, falando dela sentados em casa e andando pelo caminho, no deitar e no levantar, escrevei nos umbrais das casas e nas portas da cidade, multiplicai-a como os dias debaixo do céu!”.

Entrem com fé neste novo mundo. Porque a fé, como diz a música, não costuma falhar.




audima