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COLUNA

A última folhinha verde

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Certa vez, recebi de uma contadora de histórias de Belo Horizonte uma folhinha verde. Antes, ela havia contado uma historinha singela, que era mais ou menos assim: o príncipe Danilo estava de cama, muito doente, com pneumonia. Porém, mais forte do que a doença que lhe consumia os pulmões era o profundo desânimo que lhe afetava a alma.





O príncipe Danilo havia desistido de viver. Sua filha vinha vê-lo todos os dias e tentava animá-lo.
 
Relembrando-lhe suas viagens, suas casas no campo e seus atos de bravura durante as várias guerras em que combateu. Mas ele não reagia, havia perdido o elã vital. Passava os dias inteiros na cama, olhando para a janela à sua frente e observando uma grande árvore que ia lentamente perdendo suas folhas, porque o outono havia chegado. Uma manhã, quando sua filha tentava animá-lo, o príncipe Danilo disse:

– Sabe, filha, quando aquela árvore perder a última de sua folha, terá chegado a minha hora de morrer.

A moça imediatamente reagiu:

– Que é isso, pai. Que tolice! Por que amarrar o seu destino ao destino de uma árvore? Por que ficar inventando coisas que o fazem sofrer?

Mas o pai não a ouviu, tão absorvido em sua melancolia. A filha então compreendeu que existem momentos em que as palavras ficam muito pobres e não dão mais conta de acender uma luzinha no coração das pessoas. Resolveu agir. Assim que seu pai adormeceu a moça entrou no quarto com um pincel e um potinho de tinta verde. Subiu em um banquinho e pintou no vidro da janela, bem no rumo da árvore que seu pai olhava, uma folhinha verde.





À medida que o outono ia avançando e o inverno tomava o seu lugar, as folhas da árvore desprenderam-se todas e saíram dançando ao vento. O príncipe observava cuidadosamente todos os movimentos. Observava, especialmente, uma certa folhinha verde muito persistente e tenaz, que não se movia do lugar e ficava agarrada à árvore. Não importando quão forte fosse o vento, quão inclemente fosse a chuva. Até que a neve chegou e cobriu a árvore com um manto branco.

Mas, de sua cama, o príncipe Danilo havia atado o fio da sua vida àquela folhinha verde e continuava olhando-a fixamente. Foi assim que, agarrado à folhinha verde, o príncipe conseguiu atravessar o inverno de sua doença e o inverno de sua alma. Quando a primavera chegou, muitas folhas cobriram a árvore e a folhinha tão observada se perdeu entre elas. O príncipe reencontrou o seu ânimo, ficou de pé, voltou a ter sonhos e saiu do quarto para a frente do palácio. Enquanto limpava com água a folhinha pintada na janela, a filha do príncipe refletiu:

– Espero que, algum dia, se o desânimo tomar conta do meu ser, alguém consiga me oferecer uma folhinha verde, para que eu possa receber, através dela, a seiva da vida.

Pois foi assim que veio do hemisfério norte a mensagem da contadora de história de Belo Horizonte. Uma lição que mistura doença do pulmão com a tentativa de filhos que fazem os pais se curarem, mistura o outono com a transformação de luares em colheitas e auroras, afasta as trevas e os espinhos dos dias e espalha uma doce fragrância nos quartos.





Que o frio do inverno que vem com a história de longe nos convide a olhar para dentro nesta época de pandemia e nos ajude a encontrar estrelas em nossos próprios céus. Que vivamos o tempo que vai sem pressa nas horas e nos deixe ir contando os pecados no silêncio das noites, aproveitando o recolhimento. Após as noites de solidão e dor na alma, chega entre nós a primavera. Acredite. Vai passar e as cores hão de nos animar. Com fé, os tempos trazem novos milagres. Que a folhinha verde esteja sempre ao nosso alcance para que no dia em que percebermos alguém com desânimo no coração, sem a alegria de viver, possamos oferecer-lhe por meio da singela folhinha verde a alegria da seiva da vida.

audima