Considerada “um caminho para a Páscoa”, a quaresma, do adjetivo em latim quadragésima, contempla a ressurreição de Cristo e é um convite à participação pessoal de cada fiel nesse caminho. Embora se encerre na quinta-feira da semana santa, a quaresma prolonga-se até o sábado, perfazendo exatos 40 dias. Trata-se de uma prática antiga que vem dos séculos 3 a 4 e consiste em um período privilegiado de conversão. Hoje, iniciamos a segunda semana.
A Igreja tem alguns sinais especiais que marcam este tempo sagrado nas celebrações: a cor da liturgia é a roxa, que significa penitência, e por isso o padre usa essa cor nas missas desse período; não se canta o Glória nem o Alegria durante as missas, nem músicas que tenham a palavra Glória; não se usam flores no altar; não se toca nenhum instrumento musical nas missas, a não ser para sustentar o canto, em sinal de jejum para os nossos ouvidos.
Algumas igrejas do interior de Minas, principalmente de cidades históricas, conservam a tradição de cobrir as imagens com panos roxos. Como punição por ter-se apresentado como rei dos judeus, na paixão em Jerusalém, Jesus foi ironicamente revestido de um manto roxo, a cor da realeza. A Igreja manteve o roxo como símbolo, um símbolo exterior.
A cor também nos convida ao recolhimento, sendo apenas uma parte da disposição interior para a maior conversão. Todos os 40 dias da quaresma são um tempo de combate espiritual, observando algumas práticas como a oração, a penitência, a esmola, a leitura de um livro da sagrada escritura.
Desta vez, não podemos reclamar que o tempo voa. Como o povo de Israel esteve por 40 anos no deserto, teremos 40 dias de preparação para chegar melhores à celebração da Páscoa. Dias para vivermos uma quaresma com boas reflexões, obras de caridade, arrependimentos verdadeiros, gestos de perdão. Animem-se. Embora o período convide à penitência e meditação, não serão dias tristes. Com a quaresma, aproveitemos para falar mais sobre a simbologia de número 40 com que o Antigo Testamento e o Novo Testamento representam momentos de fé da comunidade judaico-cristã: 40 dias de dilúvio; 40 anos de peregrinação dos judeus no deserto; 40 dias de Moisés no Monte Sinai; 40 anos dos reinados de Saul, Davi e Salomão, os três primeiros reis de Israel; 40 dias de Jesus no deserto; 40 dias de Jesus ressuscitado entre os discípulos.
Como Noé, que durante o dilúvio passou 40 dias na arca, com sua família e os animais, temos também a nossa arca, nossa casa, nosso lar, confiando que a chuva vai cessar, que vamos degelar as águas, deixá-las fluir para recriar uma nova corrente, merecer um novo arco-íris, fazer laços dos retalhos. Como Moisés, que passou 40 dias no Monte Sinai para receber as leis das mãos do Senhor, vivamos esses 40 dias confiantes de que jejuando e orando e acreditando e esperando Ele virá para nos dizer que podemos manter às velhas lembranças, desde que tenhamos novas esperanças.
Como o profeta Elias, que levou 40 dias para chegar ao monte Horeb, onde se encontrou com Deus, que nossos pés sejam fortes para a caminhada enquanto saboreamos a brisa que desce da montanha, com força, resistência e fibra para retomar, reformar, moldar, amadurecer e ter fé todo santo dia.
E o que os eventos têm em comum além de variações de quarenta? Todos têm final feliz. Da pomba conduzindo um ramo de oliveira no bico mostrando terra à vista para Noé às tábuas dos 10 mandamentos nas mãos de Moisés depois de um encontro com Deus, chegando a Jesus ressuscitado jantando com os pescadores na praia ou conversando com dois seguidores no caminho de Emaús.
Como a quaresmeira, que floresce na quaresma encantando pela sua notável beleza, contemplemos essas alamedas de flores roxas que enfeitam ruas e avenidas como o convite a um modo de viver no mundo e com o mundo com mais delicadeza e generosidade. Para começar, sejamos quaresmeiras, de raiz forte, sementes maduras e galhos que atraem beija-flores.