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Crer sem ver

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Nesta época em que abril está a evocar momentos significativos da vida de Jesus, no último domingo tivemos a ressurreição do Senhor, para continuar hoje ainda no primeiro dia da semana, agora desta vez com o que acontece ao anoitecer.



Estando reunidos a portas fechadas porque havia medo entre eles, Jesus se põe entre os discípulos e diz: “A paz esteja convosco”, a tradicional saudação hebraica shalom, que significa paz.

Depois de carregar uma cruz com cerca de 22 quilos, ter mãos e pés atravessados por cravos de 12,5 centímetros e ser coroado com espinhos capazes de romper a pele do couro cabeludo, numa noite de domingo, Jesus atravessa a porta fechada falando em paz duas vezes. A paz esteja convosco. A paz esteja convosco. Jesus colocando paz nos corações cheios de medo.

As chagas são motivo de credibilidade para que saibam que é Ele quem está ali, com seu corpo crucificado, ressuscitado e glorificado. Só então o medo deixa o lugar e abre espaço para a alegria. Jesus voltou, não só ressuscitado, mas com poder, autoridade e a missão que recebeu do Pai do céu, que Ele passa agora aos amigos.

Que tamanha autoridade! Cristo é o primeiro apóstolo, do grego apostolos (enviado), porque foi enviado por Deus. Devemos tratar com muito zelo essa missão – os discípulos acabam de receber o mesmo poder que Jesus recebeu do Pai.





No primeiro encontro, Tomé não está presente e ao tomar conhecimento da aparição, no fundo de suas palavras sobressai a convicção de que Jesus já é reconhecível não tanto pelo rosto quanto pelas chagas. Tomé considera que os sinais qualificadores da identidade de Jesus são agora, sobretudo, as chagas, nas quais se revela até que ponto Ele nos amou.

Assim, oito dias depois, agora Tomé estando presente, Jesus novamente se põe entre eles e fala seu terceiro “a paz esteja convosco”. E convoca Tomé para colocar a mão no seu lado, o que dá ideia do tamanho da ferida feita pela lança do soldado romano. Cristo fala mais uma bem-aventurança: “Bem-aventurados os que não viram e creram”.

É assim, que já estamos no quarto mês, hoje utilizando o exemplo de um dos doze, não só para a maior confissão de fé do Novo Testamento, como para acrescentar Tomé como um padroeiro da nossa geração como também um dos que precisam das evidências objetivas das comprovações empíricas para acreditar.



Um Tomé como o filósofo francês Descartes, que, apesar de acreditar em Deus, não abdica de sua razão para tudo. Um São Tomé para ver se nossa fé aumenta um pouquinho, se curvamos um pouco nossa arrogância, que exige sinais, provas e comprovações de tudo que acontece ou deixa de acontecer em nossa vida.

Precisamos também de um ano após o início da pandemia para, como São Tomé, saber que estamos longe do fim dessa catástrofe que se abateu sobre o mundo, ainda que tenha atingido de modo absolutamente desigual países e regiões, sendo igualmente desigual dentro de várias cidades e estados, no caso do Brasil.

Os números são superlativos. Quando imaginaríamos, um ano atrás, tanto sofrimento, sem estar numa real guerra e onde a vida se esvai com enorme brutalidade?

Ainda hoje, precisamos ver para crer, senão não damos nossa adesão àquilo que outros nos contam. Estamos aprendendo que, neste mundo onde tudo se prova e se comprova, até mesmo violentamente, muita gente que não tem um papel de identidade simplesmente não existe; e onde velhinhos doentes deixam suas casas sob um sol causticante a fim de comprovar que estão vivos.

Estamos convivendo com mortes e sofrimentos muito próximos, cada um de nós conhecendo pessoas que morreram ou adoeceram. Em alguns casos, dentro da própria família, sinal inequívoco da extensão da tragédia.

E finalmente nos cabe descobrir que é importante viver a bem-aventurança de crer sem ver. Crer que – como dizia o grande escritor Guimarães Rosa – quando nada acontece há um grande milagre acontecendo que não estamos vendo.




audima