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Estado de Minas PADRE ALEXANDRE

A morte nos diz que a saudade é o amor que fica

Estamos cheios de eternidade dentro de nós. A vida vai ficando para trás, mas as lembranças são fiéis, não fogem


13/02/2022 04:00 - atualizado 13/02/2022 11:15

Ilustração
Olhe hoje para o céu à noite e teu coração enxergará uma nova estrela brilhando no alto (foto: ilustração)

 
 
"A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim…"

Mário Quintana

Quando no princípio ainda não sabíamos ao certo como era a pandemia da Covid e o que estava acontecendo, eu atendi um casal de plantonistas, médicos, que trabalhavam no CTI, e logo soube que eles tinham uma garota, Manoela, que veio a óbito.

Neste problema da luta pelo luto, fiquei perguntando como a vida pode ser breve, nada está sob nosso controle, pessoas que vivem longos anos, enquanto outros vivem tão pouco. E o número de mortes aumentando a cada dia e chegando mais perto das vítimas.
 
O caso de Manoela foi marcante. A Covid ficou repensando seu jeito de ser mundo e inesperadamente veio vindo, veio vindo, até que as cidades chegaram a culpar os maus hábitos do passado, vivendo instantes no presente e com medo de ter esperanças inúteis.

E fomos permitindo que estávamos todos numa sala de espera. A cura, a vacina, a certeza, a garantia de que nada vai acontecer de novo, esperando uma dose de milagre.
 
Parecia que a pandemia lhes roubara a terra encantada e não havia mais rios correndo chocolate em seus dias. Foi assim que acabei compondo a letra de uma canção com o nome de “Saudade”, falando sobre a morte que nos diz que a saudade é o amor que fica: “E se dependesse de mim/como deixar ir?/Ver um filho amado partir e não mais voltar/Ver partir aquele que me ensinou a caminhar./Ah, se dependesse de mim, peço um tempo a mais/Só mais um dia/Mais dez minutos/Só um segundo/Tua promessa: O meu lugar é o céu. O amor que se foi, um pedaço de mim/Deus está lá no céu cuidando desse amor que partiu/A saudade é o amor que fica”.
 
O tempo foi passando, cada vez era maior o número de vítimas, crianças que nem imaginávamos passando pelo hospital, doentes ricos de saúde e de repente partindo sem saber por que, adultos avisando que chegava a hora de ir. Quando explicamos a morte para uma criança, dizemos que a pessoa virou uma estrelinha. E a conversa de todo dia era a morte avisando mais uma casa chorando a dor.
 
Acho que o céu trouxe também alguns anjos para lhes fazer companhia. Fazia o Sol se pôr, mas deixava um pouco do calor. Levava a Lua embora, mas ficava o luar. E fazia o vento virar brisa. Gente que não ficava sem céu nem quando se ligava aos aparelhos. Um lugar de céu azul, onde havia sempre um céu a orar por nós.
 
Olhe hoje para o céu à noite e teu coração enxergará uma nova estrela brilhando no alto. Olhe para as plantas pela manhã e verás uma nova gota de orvalho na folha do jardim. Olhe para o horizonte ao entardecer do dia e verás um novo raio no pôr do sol. Olhe! Logo aprenderás que existem outros modos de olhar que não apenas o de ver até onde a vista alcança.
 
Não com os olhos do teu rosto humano. Olhe com o coração. E verás tudo que ama perto de ti. O coração não deixa ir, e logo aprenderás que se o tempo é veloz, a memória é eterna, dura para sempre enquanto existir um de nós. E sempre haverá de existir.

A memória tem seu próprio passo, ritmo e compasso. Estamos cheios de eternidade dentro de nós. A vida vai ficando para trás, mas as lembranças são fiéis, não fogem.
 
Olhe! A vida é passageira e fugaz, tudo um dia se desfaz, mesmo que a gente queira ou não queira. Mas os afetos vividos ficam no coração. Atravessa o silêncio do teu deserto para ouvir os sons que vêm de dentro.

Olhe não para a felicidade que se foi, não para o laço que se desfez, não para o abraço que não abraça, ou para as mãos que não se tocam, ou para a voz que não se ouve.
 
Olhe para a tua alma e para a calma que nela habita, porque é ali que está a fé que te sustenta, a esperança que te mantém de pé. É dentro de cada um de nós que está a imensidão maior que o céu e mais profunda que o mar.

Não te perturbes pela tristeza nem te acanhes com as lágrimas. Não te culpes por não querer deixar ir o ente querido. Reconforta-se. Deixa o Sol se pôr, a Lua se esconder – tudo o que foi será. Guarde do Sol o calor, da Lua o luar, da brisa o frescor.

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