Há dois anos, as crianças não saíam de casa, mal podiam brincar sozinhas, ou eram irmãos sozinhos ou pai e mãe que trabalhavam o dia diante do computador, passando o tempo em home office e fazendo relatos emocionados pelas redes sociais. Há dois anos, as crianças não viam os avós, chegavam a chorar de saudade da vovó, lá longe, tão longe, que a vovó mandava alguém lhes entregar um doce embrulhado em lágrimas para alguém deixar na porta da casa. Parecia que a pandemia lhes roubara a terra encantada. Mas aí no segundo semestre do ano passado, a COVID não foi embora, mas avós, filhos e netos ficaram para sempre juntos, e a pandemia finalmente tocou o sino avisando que já era tempo de brincar, de ir para aula, de ir à igreja, de ir à piscina, de voltar a ser o que sempre foram para ser. Neste ano, já vão viajar com a família, em qualquer lugar que todos possam ser felizes. Não se sentem mais prisioneiros do céu. Os professores tão felizes quanto.
E está tudo combinado entre todas as famílias que voltaram a se reunir. Quando a pandemia acabar vamos andar de trem. Sem itinerário, sem uma geografia a nos governar. Num momento, Japão, 15 minutos depois, Milão. Ora com o rosto para fora da janela, aproveitando o ar puro, ora com o nariz colado no vidro, mas sempre de olho na vida lá fora. Viagens, liberdade, sonhos realizados. Uma tarde na estação coberta de neve da pequena aldeia alemã de Pretzsch, com sua cinematográfica paisagem.
Da janela do trem, contemplar as casinhas brancas das ilhas gregas, as montanhas e lagos suíços; os castelos franceses do Vale do Loire; a praça de Praga; os floridos jardins ingleses; a estrada tortuosa em Nápoles, subindo ou descendo, entre um mar de azul profundo; um macaco fazendo graça nos jardins do Canadá; um cachorro fiel passeando entre as flores e as aves que esperam a primavera na Holanda. Noites cheias de luzes, ruas cheias de vida. Austríacos dançando uma deliciosa valsa de mil anos.
A viagem de trem nos lembra o lado bom da vida – em vez da lágrima, o sorriso; do tropeço, o recomeço; em vez da descrença, a crença; da doença, a cura; em vez do instante, o inesquecível; em vez do efêmero, o eterno. Passear de trem, seja por onde for. Deixar para trás a dor que quase nos faz esquecer que o mundo é bom, que a felicidade existe, que ninguém foi criado para ser triste. Há um trem na estação nos esperando. Vamos?
Este ano há notícias boas esperando por mães e filhos. Viagens em outros países aguardando o que ainda está por vir. As crianças vacinadas, as salas de aula preparadas para recebê-las com tudo adequado, o distanciamento mantido, a máscara sempre no rosto. Criança voltou a ser brincadeira, aprendizado e maravilhamento.
A igreja aproveita e convida o leitor para um olhar mais demorado no Jesus que foi criança um dia. A gente pode pausar o coração e imaginar o menino Jesus correndo entre os vales e planícies, colhendo frutos silvestres, subindo nos galhos das árvores, sem nem imaginar que um dia aquela figueira serviria de parábola. Uma pausa, leitor, e você pode ver o menino fazendo arte (por que não?), moldando bonecos no barro, brincando entre as mesas e cadeiras da carpintaria, pegando peixe com as mãos.
Nos livros dos evangelistas, as multidões outra vez cercam Jesus. Os fariseus insistem em pô-lo à prova, pessoas querem saber sua opinião sobre a taxa do templo. Neste vaivém de gente para lá e para cá e conflito de interesses, levam crianças para que Cristo as toque, mas os discípulos os repreendem. Cristo reage: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois o Reino do Deus pertence aos que a elas se assemelham”. A passagem é registrada por Mateus, Marcos e Lucas e no meio de tantos acontecimentos é o rápido encontro entre o Mestre e as crianças que se eterniza através da pintura e literatura. “Deixai vir a mim as criancinhas. Quem se fizer pequeno como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus”.
Hoje a pandemia nos mostra que há um trem nos esperando na estação, enquanto o maquinista promete não andar mais apressado que Deus. A fumaça e o apito são o nosso verbo de paz que reside na nossa criança interior e pede passagem. Vamos?