Jornal Estado de Minas

FEMINISMO

Mulher de favela

 Grande parte do que sou é inspirado nas mulheres de favela que cruzaram e cruzam meu caminho cotidianamente: Luzia, Conceição, Rosa, Beatriz, Dinorá, Maria, Valdete, Silvia, Márcia, Patrocínia, inúmeras são elas, mulheres de favela que, no modo simples de solucionar tantos problemas, me ensinaram a sempre contar a minha própria história. Muitas delas mal sabem que estamos nas vésperas do dia Internacional das Mulheres; ou como e porque esse dia surgiu; não sabem o que é o feminismo. Já até ouviram falar, ou receberam uma flor em algum destes supermercados grandes que ficam no “asfalto” – supermercados que, no dia anterior, receberam-na com olhares desconfiados, com seguranças a perseguindo. Se estiver com suas crianças, aí pronto, quadrilha formada: será supervisionada a cada item pego na gôndola; caso resolva abaixar para ver um preço de algum produto, é bem capaz de sair de lá presa – mas ainda assim  recebe de coração aquela flor, cujo afago a faz lembrar da delicadeza e da força de ser uma mulher e se deixa, por alguns instantes, relaxar com um afago para a alma, enquanto ajeita a flor entre as sacolas para subir a ladeira da favela. 





Conforme o Instituto de Pesquisa Data Favela/ Locomotiva, o Brasil, atualmente, tem cerca de 17,1 milhões de pessoas vivendo em favelas. Se as favelas brasileiras formassem um estado, seria o 4º maior estado brasileiro em população, ficando atrás somente de São Paulo, com 476,6 milhões, Minas Gerais, com 21,4 milhões e Rio de Janeiro, com 17,4 milhões. Ainda segundo o Data Favela, são 8,7 milhões de mulheres em favelas brasileiras: 21% dos lares das favelas são formados por mães solo e 72% das mães de favela são chefes de família – mulheres que, por sua vez, desempenham múltiplas funções, com um papel central no cotidiano das favelas e, consequentemente, desempenham papel crucial na sociedade brasileira. 

As favelas são espaços de resistência, de troca de conhecimento, de redes de solidariedade criadas principalmente pelas mulheres para enfrentar, juntas, as adversidades no cotidiano e, sobretudo, avançarem. Estas mulheres estão criando tecnologias sociais, criando projetos e iniciativas inovadoras para solucionar problemas locais, promover a igualdade de gênero, formatar políticas públicas de acesso a direitos básicos, como moradia, saneamento, saúde e educação. Mas é importante ressaltar que estas mulheres, que muitas das vezes mal sabem o que é o Feminismo ou o Dia Internacional da Mulher, sabem bem o que é ser mulher num país que insiste em matá-las, em mantê-las invisíveis, em não ouvir sua voz. Elas sabem como ninguém como é viver à margem da sociedade, enfrentando preconceitos, violências e desigualdades. No entanto, sua resiliência e perseverança e sua capacidade transformadora são tão mais fortes, que as mantêm de pé, erguidas, transbordando conhecimento.

Importante ressaltar que a potência das mulheres de favela não está apenas em suas habilidades manuais ou técnicas, mas também nas habilidades intelectuais, medicinais, culturais e em sua capacidade de mobilização, de articulação com a comunidade, e de envolvimento emocional com as causas que defendem. Possuem uma sensibilidade única para lidar com as questões sociais, são empreendedoras, professoras, doutoras, empresárias, faxineiras, garis, escritoras, dançarinas, cientistas. São o que quiserem ser e, por isso, devem ser vistas para além dos olhos cruéis da exclusão e do racismo.





É fundamental reconhecer e valorizar as potencialidades dessas mulheres: elas têm expertise em criar soluções inovadoras e colaborativas para os problemas sociais, são lideranças, são mantenedoras de saberes ancestrais e têm sido cada vez mais protagonistas em seus projetos pessoais e na utilização da tecnologia social, utilizando ferramentas digitais para promover a organização, o desenvolvimento comunitário e a participação cidadã. 

As favelas abrigam uma variedade de práticas e saberes que refletem as trajetórias de vida e as culturas de seus moradores, são espaços pulsantes de cases de sucesso e as mulheres de favela são protagonistas nesse processo, por sua capacidade de articular as redes,   construir alternativas para enfrentar as desigualdades e promover ações de transformação. É fundamental que suas vozes sejam ouvidas e valorizadas, e que sejam reconhecidas como agentes de mudança na construção de um mundo mais justo. 
 
A todas as mulheres da favela, o meu muito obrigada.