Jornal Estado de Minas

AFETO

O papel do homem na desconstrução do machismo


Por séculos, o machismo tem sido uma realidade que afeta a vida de mulheres ao redor do mundo e essa crença na superioridade masculina tem sido usada para justificar a opressão, a violência e a discriminação contra as mulheres. O machismo tem sido uma das principais causas das desigualdades de gênero, que continuam sendo uma realidade em muitas sociedades, com mulheres enfrentando barreiras no acesso à educação, ao emprego e à representação política, entre outras coisas. É importante lembrar que o machismo é uma construção social que pode ser desaprendida.




 
O machismo se manifesta de diferentes maneiras e se perpetua por ideias e comportamentos que, muitas vezes, são considerados normais, mas que, na verdade, são prejudiciais, violentos, limitam a liberdade das mulheres, impedindo que elas alcancem seu potencial máximo.

O machismo não afeta somente as mulheres, mas também a sociedade como um todo. Neste sentido, todas as pessoas precisam tomar consciência destes comportamentos e agirem para a ruptura deles e para a construção de uma sociedade igualitária e justa, na qual homens e mulheres tenham os mesmos direitos e oportunidades. 

Pensando na necessidade urgente de espaços de debate coletivo sobre esta pauta, inclusive nas favelas, convidei, para refletirem comigo sobre o papel do homem na desconstrução do machismo, Francis Santos, presidente da CUFA MINAS; Preto Zezé, presidente nacional da CUFA; e Paixão, liderança jovem. Todos ativistas que fazem das suas vidas uma luta por uma sociedade mais justa e igualitária e que têm dedicado suas jornadas a defender os direitos humanos, combater a discriminação e a opressão, além de ampliar as vozes das pessoas das favelas.





Na conversa, falamos da importância de os homens serem aliados na luta contra o machismo, se empenhando para desconstruir as ideias e comportamentos machistas que foram internalizados ao longo do tempo. Fiz a eles duas perguntas: 
 
Qual o papel do homem na desconstrução do machismo? 
 
Para Francis Santos:
“O papel é de observância, de mudança de hábitos e comportamentos errôneos. Somado a um papel de acolhimento e de proteção ao gênero feminino, sem julgamentos de mérito como é corriqueiro, simplesmente acolher, proteger, e contribuir para a garantia das leis. Denunciar toda vez que ver um crime sendo praticado contra as mulheres, e meter a colher, sim, em briga de homem e mulher”.

Para Preto Zezé:
“Eu acho que o papel do homem na desconstrução do machismo, primeiro, é assumir que ele existe, senão continuará no movimento de negação; segundo, é entender a raiz histórica de o porquê os papéis definem que nós, homens, tenhamos acesso a poder e espaços públicos e o mundo privado seja imposto às mulheres, para a gente poder, inclusive, reverter este quadro, porque ele  promove as desigualdades e injustiças; o outro papel é pessoalmente  serrar a fileira nas agendas que são importantes contra a violência, divisão social do trabalho, reconhecer que as tarefas domésticas e o cuidado com filhos não são responsabilidades exclusivas das mulheres, e a possibilidade de uma vida de equidade e equilíbrio". 
 
Já para Paixão: 
“Eu, enquanto pessoa não-binárie, entendo que o papel do homem na desconstrução do machismo tenha que partir dele mesmo, estando com o olhar e a escuta sempre atentos às mulheres na busca de uma aproximação e compreensão da luta e das alegrias vividas por elas. Há uma urgência em nossa sociedade de descolonização do modo de ver, escutar, sentir e falar do próximo, onde, aqui, o foco é nas mulheres”.




 
Para vocês, Francis e Preto Zezé, homens de imagem pública, líderes de opinião, com holofote, como vocês podem usar a sua visibilidade para contribuir de forma significativa para a luta de gênero?
 
Francis Santos: 
"Mais do que nunca, dando exemplos com minhas próprias atitudes, acionando a rede de proteção toda vez que se fizer necessário. Buscar dar publicidade a atos e fatos criminosos, para que sirvam de exemplo e contribuam com a diminuição dos crimes gerados contra as mulheres”.
 
Preto Zezé: 
“No caso de pessoas como eu, que têm visibilidade e acesso a espaços,  vou partilhar algo prático para responder: me lembro um dia em que fui para um evento numa câmara municipal e não tinha uma  única mulher na mesa do evento. Neste dia, o pessoal todo estava comentando sobre isso, e eu disse que nós não tínhamos mais o que comentar  sobre a ausência das mulheres nos espaços públicos e de debates, a gente tinha somente que fazer o que era o certo, e o certo, ali, só tinha dois caminhos: ou as mulheres derrubavam tudo e ocupavam a mesa, ou alguns de nós tínhamos que sair para as mulheres se sentarem. Neste caso, eu me retirei da mesa e cedi o meu espaço para uma mulher, senão nós vamos ficar teorizando, dizendo isso e aquilo e, na prática, não vamos estar fazendo nada concreto. Então a minha atitude, simbolicamente, usando a minha imagem  foi dizer o seguinte: vamos ter que recuar para que o outro, ou a outra, no caso as mulheres, tenham protagonismo” 
 
Como mulher de favela, presencio a capacidade impressionante das mulheres de favelas de organizar e criar soluções para os desafios diários, exemplos práticos de luta, resistência e superação.

Elas têm liderado iniciativas empreendedoras, projetos culturais, atividades educativas e outras formas de engajamento comunitário que contribuem para a transformação de suas realidades e para ruptura do machismo, elas têm, de forma sutil, colocado em discussão a importância do homem reconhecer o privilégio e as vantagens que têm em relação às mulheres, convocando-os  a  questionarem e combaterem  comportamentos e estereótipos de gênero que associam a masculinidade a atitudes agressivas, dominantes e a padrões tóxicos, chamado atenção   para trabalharem a escuta, para acreditarem  nos relatos das experiências vividas pelas mulheres em relação às discriminações de gênero, violência, sem minimizar ou desqualificar.

Com isso, elas mostram que é possível construir uma rede de apoio mútuo, onde a luta não deve ser encarada como uma disputa de poder entre homens e mulheres, mas sim como um movimento em direção à emancipação e à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.