Jornal Estado de Minas

Comportamento

Não é minha culpa

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Certa vez, ao comprar uma empadinha em uma lanchonete de bairro, percebi que havia massa além da conta e recheio de menos. A proprietária, puxando papo, perguntou se estava de meu agrado. Muito educadamente, passei a ela minha verdadeira impressão e ouvi: “Não posso fazer nada, não tenho culpa nenhuma, pois não é feita aqui. Compro diretamente de uma senhora”.


Achei graça em tamanha espontaneidade e ignorância comercial, apenas sorri e parti. Não seria necessário dizer que, passando por lá novamente, vou arriscar apenas os refrigerantes ou qualquer outro produto preferencialmente de fornecedor notoriamente conhecido e reconhecido. Uma barrinha de sementes talvez ou um chocolate.
 
Temos a mania de terceirizar nossas responsabilidades, bem aos moldes de “a culpa é minha, coloco ela em quem eu quiser”. Assim iludidos, acreditamos estar nos livrando de encarar nossos próprios enganos e assumir o que nos cabe. Se quer ver seu negócio prosperar ou minimamente sobreviver, a proprietária da lanchonete tem que se sentir responsável por tudo o que se passa ali, incluindo o que lhe cabe apenas administrar, e não fabricar.
 
Em meio a tanta contaminação, tem-se caído na esparrela de acusar alguém como sendo o terrível transmissor, nunca nossos descuidos ou até mesmo o estar no lugar errado na hora errada. Se estamos vivos e circulando, mesmo com as devidas precauções, corremos risco tanto de contrair a doença como de disseminá-la.


 
Conheço uma família que recentemente perdeu a matriarca no alto de seus 90 anos. A senhora já havia recebido a primeira dose da vacina, o que se acredita tenha aliviado um pouco o quadro, mas não o suficiente para evitá-lo por completo. Dias antes de ser diagnosticada, uma de suas cuidadoras havia sido internada. Quem foi o agente? A cuidadora, você pode ter respondido. Pode ter sido mesmo? Claro que sim, mas pode ser que não. Quem vai saber ao certo?
 
Fato é que a cuidadora tomou a culpa toda para si e a família está lutando para convencê-la de que, ao invés de procurar alguém para crucificar, o melhor a fazer agora é aceitar e seguir em frente. Louvável essa posição, visto que todos os envolvidos tomavam todas as precauções possíveis, o que garantiu que todos se mantiveram saudáveis até aquele momento. Não é o que ocorre aos profissionais da linha de frente, que se estende muito além dos da saúde, que estão sendo acometidos pela COVID?
 
Digo louvável porque procurar alguém em quem colocar o peso de tudo o que nos ocorre é fácil, principalmente quando esse alguém está do lado mais fraco da corda. Dispensar a funcionária e concentrar sobre ela o ônus da morte da senhora não alivia nada além do bolso. Já analisar racionalmente o que ocorreu, aproveitando todas as lições deixadas, pode ajudar na hora de traçar os rumos da vida que segue.