Ouvindo uma senhora falar sobre o homem com quem foi casada por 47 anos, me pus a pensar como muitas vezes persistimos em mascarar o que temos de mais humano, nós mesmos. Agora viúva, ela contava que durante todo o período em que estiveram juntos não dormiu nem uma noite sequer sem usar lingerie sensual capaz de arrancar elogios. Ele nunca a viu com camisetas velhas largas, pijamas enormes, blusas furtadas do guarda- roupa dele, mesmo em dias extremamente frios ou nos períodos em que ela adoecera.
Não foi a primeira vez que eu ouvira um relato como esse. Há muitos anos, outra mulher se gabava de sempre estar maquiada, bem penteada e perfumada diante do companheiro. Me assusta imaginar quanto trabalho dá tentar ser assim. Ou será que não dá? No fundo, sabemos que falamos muito mais que fazemos na tentativa de vender uma imagem de nós mesmos que não é assim tão prática e verdadeira. Mas quem o é?
Isso porque nus e crus somos pessoas não apenas de aparência. Somos capazes de ir de um extremo ao outro num curto espaço de tempo. Da feiura à beleza, do bom ao mau humor, da saúde à doença, capazes de produzir desde perfume agradável a fétidos aromas, somos uma mistura, um pouco de tudo e de nada.
Somos seres humanos, mutantes, polares, assim como nossos relacionamentos, em evolução, espero. Mas não somos apenas as pessoas que gostaríamos de ser para nós mesmos imagine para o outro. Que bom!
Não há quem se olhe no espelho e sempre agrade do que vê, mesmo os que são modelos e objetos de desejo de tantos outros. Por que então cobrar de si mesma estar sempre atraente e ser desejada com base naquilo que se encontra nas caixas, prateleiras ou guarda-roupas?
Na mesma ocasião em que observava essa senhora falar de suas proezas, outro grupo de mulheres conversava sobre a estética da magreza. Ironicamente a conclusão a que chegaram foi que de nada adianta ter medidas exatas, cabelos bem tratados, dentes clareados, sem falhas, rugas paralisadas e rosto em proporções geométricas.
Existe algo mais sutil que chega a ser abstrato, o charme, o sex appeal, um encanto próprio que vai muito além do palpável descritível.
Enquanto pregarmos comportamentos ideais com base naquilo em que acreditamos ser a melhor resposta às cobranças que nos fazemos como indivíduos, estaremos alimentando mitos sociais que só servem para nos manter escravos de um sistema impiedoso onde ninguém sobrevive de fato.