Durante a semana, fui à casa de uma senhora buscar uma máquina de costura que ela estava doando para a oficina que mantemos em Boa Vista, Roraima, onde trabalhamos com refugiados venezuelanos. Fui recebida com um sorriso enorme estampado em um rosto de uma senhora de 94 anos. "Só consigo fazer dois vestidinhos de criança por dia", me contou. A costura é sua distração preferida, e tudo o que faz é para ser doado a crianças carentes. "Eu não preciso mais desse tipo de coisa."
A senhora estava feliz em poder contribuir, mas lamentou ter sido constrangida pelas filhas a trocar de máquina. "Esta tem mais de 50 anos e ainda funciona muito bem", se orgulhava. E acredito, pois de fato as antigas são mais robustas, têm componentes de ferro, o que as torna muito mais resistentes ao tranco ao qual são muitas vezes submetidas diante de mãos e pés inexperientes. As filhas a presentearam com uma nova "toda de plástico, cheia de funções desnecessárias", como ela descreveu ao telefone quando combinávamos nosso encontro.
Diante da nova máquina, refletia sobre quanto tempo aquele instrumento moderno lhe seria útil, prevendo que não vai costurar tanto quanto o fez naquela da qual ela estava se desfazendo. Claro que não penso diferente, mas prefiro não contabilizar benefícios usando o argumento do tempo cronológico; há muitos fatores aí além dele. Mas não vi em seu rosto nenhum desânimo. Do contrário, a velha costureira planejava iniciar a lida tão logo eu fosse embora.
O fato de as filhas terem insistido na aquisição de uma máquina para ela naquela altura da vida me levou a fazer associação com a história recente de minha mãe, que em dezembro completa 93 anos. Pouco antes do início da pandemia, em 2020, ela foi submetida a cirurgia de alto risco para troca de uma válvula do coração. Foi preciso uma ação judicial para que o plano de saúde pagasse e ao longo de todo o processo ouvimos o seguinte questionamento: "Não é um investimento alto demais para quem tem pouco tempo de vida pela frente?"
Se hoje vivemos mais que nossos avós é porque uma série de fatores mudaram, a começar pelo investimento em estudos e pesquisas que tornaram possível este tipo de intervenção em pessoas até outro dia consideradas com o "pé na cova". Então, a resposta é não. A cada dia conheço mais histórias de idosos com mais de 90 anos, como a de minha mãe e a de dona Aparecida, e são elas que nos fazem acreditar que de fato "o jogo só acaba quando termina".
Um novo equipamento, tenha ele a função de melhorar a capacidade cardiovascular, agilizar a produção de roupinhas ou tantas outras coisas, não pode ser visto principalmente sobre o aspecto econômico. Seja quando for, a frágil máquina de costura de dona Aparecida certamente será comandada por novas mãos e novos pés, assim como quando minha mãe se for sua história fará parte de uma estatística cada vez mais positiva, não apenas na área médica. Afinal, serve de estímulo para quem acredita que ainda tem muito a viver, mesmo tendo "pouco" tempo.