Somos seres incoerentes grande parte do tempo. Incoerentes com aquilo que gostaríamos e acreditamos ser e defender. Recentemente, ouvi um religioso que no fim da celebração de um casamento desejou de todo coração aquilo em que acreditava ser o melhor para o novo casal: filhos maravilhosos e perfeitos. Caso esteja muito equivocada, todos os ouvintes, assim como o celebrante, imaginaram crianças sem defeitos físicos nem mentais e intelectuais, alguma forma de deficiência ou desvio de comportamento e tantas outras características que nos diferem uns dos outros.
Mas não seriam eles, os classificados como deficientes, tão filhos do Deus que ele evocava durante a celebração que qualquer outro simples mortal? E se da união do casal que ali se formava nascerem filhos com deficiências e feios? Algo terá dado errado e saído fora do controle de Deus? Pelo menos do celebrante sim.
Então, que Deus é esse? Fico imaginando o que passa pela cabeça de uma mãe e de um pai cujos filhos não se encaixam na descrição de perfeitos e maravilhosos ao ouvirem um religioso ou qualquer outro "influenciador" falar uma coisa dessa. Precisamos deixar de lado a ideia de que para nos aproximar da perfeição divina precisamos manter a ideia de que existe uma perfeição humana.
Na mesma linha do falar sem pensar, ouvi uma mãe chamar a atenção de seu pequeno filho homem, que correu mais rápido para alcançar a gangorra antes de sua irmã mulher, usando a seguinte frase: "Filho, você sabe que o combinado é você sempre ser gentil com as garotas e ceder a elas o lugar." “Meu Deus!”, pensei, louca para intervir naquela que me pareceu uma educação extremamente machista e ultrapassada. A mãe perdia ali a chance de explicar sobre a necessidade de dividir para equiparar.
Confesso que minha língua coçou, principalmente porque já cansei de vê-la valorizar uma posição mais equivalente entre os sexos. A incoerência nos entrega quando somos espontâneos e não temos tempo para medir nossas palavras. Até isso, chamar a atenção para um discurso distorcido, tem lugar e momento próprios. Desclassificá-la perante o filho não seria indicado. Então, espero que alguém o faça em outra oportunidade.
Provavelmente, se confrontados, tanto o celebrante quanto a mãe se enrolarão em outras palavras na tentativa de explicar e justificar suas posições. Porém, quando nos dispomos a parar para pensar de maneira fria e calculada no que falamos, aprendemos a refletir sobre a ideologia que alimentamos detrás das melhores intenções e se ela é coerente com o que de fato pensamos, desejamos e defendemos. Esse é o melhor caminho para tentar diminuir os grandes equívocos que o amor e seus discursos são capazes de produzir.