Neste momento estou no Malawi, pequeno país da África Subsaariana. É minha terceira vez aqui em dois anos. País paupérrimo onde a ONU administra um campo de refugiados de guerra e conflitos ocorridos principalmente no Congo, em Ruanda e Burumdi. O campo a princípio emergencial já tem três décadas e atualmente perto de 55 mil pessoas.
Demorei dois dias para chegar. De BH para SP, de SP para Addis Abeba, capital da Etiópia, onde pernoitei e no outro dia pela manhã segui para Lilongue, capital do Malawi, cerca de 45 minutos do campo de Dzaleka. Me instalo bem ao lado, no Centro que Fraternidade Sem Fronteiras mantém denominado Nação Ubuntu.
No início do mês cheguei a ter dúvidas sobre vir ou não em decorrência do estado de emergência decretado pelo governo da Etiópia devido à piora na guerra civil que já se arrasta há anos. Notícias sobre a possibilidade de toda a população se armar para conter os rebeldes chegaram a me balançar. Mas pesquisas minuciosas e relato de amigos que passaram por lá ao longo dos dias que antecederam minha viagem me levaram a manter de pé minha vinda. Conclui que apenas pernoitar poderia ser arriscado, porém não em nível suficiente para me fazer desistir.
Meu filho mais novo me chamou a atenção para o fato de que este risco estará sempre presente no tipo de trabalho que escolhi realizar. Infelizmente é exatamente a violência de vários tipos a razão da existência de um campo de refugiados e eu não poderia temê-la se quisesse prosseguir. De meu marido e demais familiares ouvi conselhos de atenção e cautela, ninguém se empenhou em me fazer desistir, pois todos reconhecem o quanto minha sanidade mental depende dos trabalhos voluntários que abraço.
Não que eu me vejo como santa e muito menos salvadora. Do contrário, faço o que faço porque me faz muito bem e por consequência faz bem a outros. Venho para cá dar aulas de costura a uma população que perdeu tudo, exceto a vontade de recomeçar. Certamente existem milhares de professores melhores que eu, afinal sou costureira amadora , porém "é o que temos para hoje". Então, vamos nos virar juntos, digo para eles, e ainda temos que lidar com as dificuldades de comunicação.
Desta vez estou me sentindo no paraíso. Consegui uma tradutora congolesa que morou em Moçambique. Ela traduz do português para o suaile, lingua falada pela maioria, e conseguimos nos relacionar muito bem, gargalhar, aprender uns com os outros e ao final comemorar nos abraçando muito.
Desta vez, estou me aventurando a ensinar modelagem a um dos costureiros que sempre me chamou muito a atenção não apenas por sua habilidade, mas também por sua disponibilidade em compartilhar seu conhecimento com quem deseje aprender alguma coisa do ofício. Ambicioso, quer melhorar sua vida e de sua família sem deixar ninguém para trás.
O trabalho é desde o despertar bem cedo até o cerrar dos olhos porque o tempo é curto e a demanda enorme. Mas sei que, até próximo a véspera do Natal quando regressarei para o Brasil, muitas e boas surpresas me aguardam, surpresas que tentarei transformar em palavras e relatar neste espaço .