Temos mania de guardar o pires da xícara que quebrou. Mas não fazemos nada com eles, além de colocá-los debaixo dos vasos de violetas ou pequenas flores que cultivamos no canto da janela da cozinha ou do banheiro. As mesmas plantas que parecem eternas, com as quais construímos relações afetivas, estão lá sobre os mesmos pires. Então, para que mais? Haja vasinho para a quantidade de xícaras que quebramos ou que acaba lascando com o tempo. Copinhos de cachaça em número muito maior que seus bebedores ou que as vezes em que bebemos, colheres de pau que ontem mesmo precisamos lavar depois de tanto mofo que juntaram depois da chuva.
Temos mania de manter nas gavetas três facas pra cada garfo do nosso cada vez mais minguado faqueiro. A impressão que dá é que os garfos vão parar no lixo por puro descuido, consequência da pressa talvez, em meio a restos de comida ou guardanapos de papel após a passagem de cada grupo de familiares ou amigos que recebemos.
Temos mania de guardar toalha velha à espera do clube em que nunca vamos, ou melhor, que quando vamos acabamos nos esquecendo delas e pegando outras mais novas. Mania de manter no armário toalhas de mesa manchadas de vinho ou molho de tomate à espera do dia em que virá nos visitar um grupo de crianças e seu inocente desejo de se lambuzarem de cachorro-quente.
Mania de guardar aqueles pares de salto alto e fino nos quais não nos sujeitamos mais a nos equilibrar durante as horas que gostamos, ou tentamos, ficar em pé em uma festa. E aquelas peças de roupa que um dia voltarão a nos servir se emagrecermos ou engordarmos, rejovelhercermos ou envelhecermos? As gravatas, os velhos ternos e suas camisas sociais que as convenções vêm dispensando em tempos de poucos encontros com muita pompa. Assim, enchemos nossa casa de tralhas e inutilidades que, sabiamente ou por necessidade mesmo, outros transformam quando lhes chegam às mãos.
Hoje, me deparei com minhas dezenas de caixas de fotos, álbuns de bebê e coisas do gênero. CDs com centenas delas que os amigos de todo grado fizeram questão que eu tivesse para não esquecer a riqueza dos momentos que parti- lhamos. O problema é que não temos mais computadores capazes de abri-los, mantendo os registros presos e as lembranças ao nosso gosto e bel-prazer.
De repente, me lembrei da revolta que tomou conta de um cidadão que, a despeito de gastar "uma fortuna" para ter suas fotos digitalizadas, sentiu como se as tivesse enterrado. Ninguém se interessou em vê-las, nem mesmo ele. Perderam a graça. Concordo. A graça das coisas está em seu brilho, que se renova a cada uso, por mais desgastadas que possam estar.