Jornal Estado de Minas

Disputa pela supremacia do 5G pode criar cinco polos de poder tecnológico no mundo

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É difícil ter clareza sobre como o sistema de vigilância e inteligência das nações está dando as cartas no mundo. De forma paulatina e combinada, as tensões entre EUA, China, União Europeia, Rússia e Índia indicam que o mundo não confia no mundo. Tudo leva a crer que cinco polos de poder tecnológico estão sendo criados entre as nações objetivas. Restaria aos distraídos entrar nos cercadinhos dos cinco, ou fingir que estão fazendo cercadinho próprio.


 
Em Luxemburgo, na quinta-feira, a Corte de Justiça da União Europeia barrou a possibilidade de se continuar com a linha aberta da transferência de dados via internet para os Estados Unidos. A justificativa da corte é de que cidadãos e negócios europeus não podem estar sujeitos à espionagem irrestrita e ao uso de seus dados para ganhos políticos e econômicos ilimitados pelos EUA.
 
Em Londres, na terça-feira, o governo britânico informou que modificou sua decisão de permitir a participação da chinesa Huawei em até 35% do 5G britânico. Disse que, a partir do ano que vem, a participação da empresa chinesa deverá caminhar para zero. Em linhas gerais, o Reino Unido se coloca embaixo do guarda-chuva estadunidense, que afirma que a chinesa busca colocar seus usuários sujeitos à espionagem irrestrita e ao uso de seus dados para ganhos políticos e econômicos ilimitados da China.
 
O movimento europeu é mais um na direção de proteger e garantir seu sucesso econômico nos próximos anos e décadas. A lógica é simples: não quer ser colonizada digitalmente daqui a uns anos nem pelos EUA, nem pela China, nem por ninguém.


 
Já o movimento britânico é o estertor de um guerreiro vencido e da admissão pública de que é sócio menor na Aliança Cinco Olhos, máquina de vigilância mundial de certos países de língua inglesa liderada pelos EUA. O timing da decisão britânica, entretanto, coincide com o calendário eleitoral nos EUA, dando-lhe paz para poder mudar de rumo se Trump perder por assustar demais. Dá-lhes também um pequeno trunfo para melhor negociar a nova situação de Hong Kong com os chineses. Afinal, até hoje, a maior parte da moeda física do sofisticado centro financeiro é emitida por dois bancos ingleses (HSBC e Standard Chartered).
 
A ideia do desacoplamento da China ganha corpo nos EUA e entusiasma republicanos e democratas mais afeitos à briga interna e não a um mundo melhor. A inépcia da estratégia é que ela não beneficia a democracia. Beneficia mais o autoritarismo em geral e aos governos enérgicos de Pequim e Moscou, dois outros polos da insegurança digital mundial.
 
Numa tentativa de salvar a face, o governo Johnson anuncia a ideia de montar uma rede de democracias para investir em 5G e futuras tecnologias de telecomunicação móvel. Dos 10 países que o Reino Unido quer colocar no clube com os EUA – para ver se dilui o voluntarismo cowboy estadunidense – estão lá Índia e Coreia do Sul, mas não o Brasil, perdido na falta de tecnologia e na diplomacia perdida que pratica. A Índia já mandou dizer que é polo próprio, vai criar sozinha seu olhar digital.


 
No campo da política industrial, a razão técnica dada por Londres para mudar sua decisão sobre a Huawei refere-se especificamente ao fato de que os EUA estenderam as sanções que visam sufocar a empresa chinesa ao proibir que compre semicondutores da empresa taiwanesa TSMC. A taiwanesa logo concordou em investir 12 bilhões de dólares no Arizona. A cadeia de produção de tecnologias como o 5G tem nesses semicondutores um gargalo vital. A jogada americana sinaliza que quem quiser ser autônomo no mundo tem que correr atrás de ter suas próprias fundições de semicondutores – mais ou menos como ter suas próprias siderúrgicas era fundamental oito décadas atrás. E abandona Taiwan no jogo da competição geopolítica com a China. Ou seja, Trump é amigo da onça, não de Taipé.
 
Assim como foi um erro da comunidade internacional permitir que Taiwan ocupasse o assento chinês do Conselho de Segurança da ONU até 1971, é um absurdo a China querer reincorporar Taiwan à força. Não haveria nada de errado em Pequim querer reconquistar Formosa, convencendo a ilha de que são melhores juntos. Mas é a parte menos poderosa que tem que decidir, não a mais forte que deve impor. E hoje o povo de Taiwan quer seguir sendo independente.
 
Todavia, líderes políticos e instituições de países mais poderosos têm abusado de seu poder para cima de países mais frágeis ou malgovernados. Por isso, a decisão da corte de Luxemburgo foi um recado altaneiro. A Europa mostra que é velha, mas não trouxa.
 
Se a China invadir Taiwan, é difícil que os EUA impeçam. A Ásia não é mais periferia compartimentalizável. Assim como em Hong Kong, o máximo que se fará é negociar espólio. (Com Henrique Delgado)