Enquanto a atenção se concentra no fato de o FMI dizer que a retração da economia mundial em 2020 é a maior da história, outras estimativas mostram o que isso significa para as pessoas ao redor do mundo. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estima que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) sofrerá seu primeiro revés desde 1990, ano em que passou a ser calculado. A queda é equivalente aos avanços acumulados ao longo de quase uma década.
A conjunção de contrações tanto no crescimento quanto no desenvolvimento torna a situação desafiadora porque, ao redor do mundo, a crise atual afeta a parte mais pobre da população. Mas diminui também a renda da classe média. Todos temos uma íntima necessidade de viver e viver bem é que nos faz justificados. Porém, nem todos, infelizmente, conseguem.
Na verdade, a crise atinge todos, mas seu impacto tem sido setorial. Até quem preserva o emprego em home office se esforça para manter a motivação embora trabalhe pelo menos duas horas mais que normalmente fazia. Quanto mais perto do núcleo da economia digital e do e.commerce encontra-se a empresa, melhor ela enfrenta a crise. Essa tendência de transferência de riqueza e poder para as empresas digitais é reforçada pelo diagnóstico de que a forma mais barata de reverter parte da queda no IDH se daria pela expansão da internet àqueles que ela ainda não alcança.
O PNUD estima que custaria US$ 100 bilhões para que países de renda média e baixa tivessem acesso à internet de qualidade. Valor equivalente a 1% do total de programas de expansão fiscal por conta da COVID-19 anunciados mundo afora. Ou seja, levar internet aos pobres do mundo custa pouco e tem retorno alto. Resta ao governo aprender a administrar bem a internet em seu território em termos de imposto, de contenção da criminalidade e da expansão com qualidade do fornecimento de serviços ao cidadão.
Os que fizerem bem essa transição poderão então pensar sobre o que fazer com os desafios do crescimento. A expectativa do crescimento econômico (ou seja, a ideia de que as pessoas terão mais recursos dentro de alguns anos do que no presente) é a tônica que organizou o mundo até agora.
As brigas sociais por causa das vastas mudanças que urbanizaram e industrializaram o mundo fizeram as leis e as ideias de progresso e modernização. O avanço tecnológico redesenhou o mundo com ganhos incríveis, mas também colheu destruições decorrentes do fato de minorias econômicas oprimirem maiorias sociais.
As brigas sociais por causa das vastas mudanças que urbanizaram e industrializaram o mundo fizeram as leis e as ideias de progresso e modernização. O avanço tecnológico redesenhou o mundo com ganhos incríveis, mas também colheu destruições decorrentes do fato de minorias econômicas oprimirem maiorias sociais.
No século 20, o cansaço em relação ao flagelo das guerras, da carestia e das cíclicas depressões alertou o mundo para a necessidade de uma evolução criativa mais humanizada. Como diz a piada nostálgica, é uma pena que as cidades não possam ser reconstruídas no campo. Assim, no século 21, a taxa de crescimento passou a desacelerar face a muitos desafios. Tem uma questão sobre os limites naturais da Terra, a péssima vida nas metrópoles, mas há também uma briga por conta da desigualdade dentro dos países e entre os países. O fato é que quem tem mais recurso para investir no desenvolvimento das áreas menos desenvolvidas não se interessa por isso. E os governos não ajudam ninguém a ajudar alguém. Quem estivesse disposto a ajudar não deveria ser tributado.
A sociedade faz coisas melhor em muitas áreas. É proposital porque abundam oportunidades de investimento para se empregarem os recursos econômicos, gerando pleno emprego e inovações. Há uma aposta excessiva em poucas coisas. Atualmente, o século que era pensado em termos de ficção científica encontra-se em uma situação curiosa. Em parte, de fato existe a economia digital sendo inflada por dentro e para cima do tecido socioeconômico.
Os preços das ações na bolsa de empresas da economia digital, a Nasdaq, não param de crescer. Mas metade do valor das 100 maiores empresas não financeiras da Nasdaq está concentrado em apenas seis empresas (Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Facebook e Tesla).
Os preços das ações na bolsa de empresas da economia digital, a Nasdaq, não param de crescer. Mas metade do valor das 100 maiores empresas não financeiras da Nasdaq está concentrado em apenas seis empresas (Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Facebook e Tesla).
Na América Latina, a empresa argentina de comércio eletrônico Mercado Libre é a companhia com maior valor na região. Na parte mais básica da vida, a produção de cereais no mundo atingirá novo recorde em 2020, segundo a FAO. A boa notícia não impede que se observe que os preços estão subindo em regiões mais pobres. O Banco Mundial estima que mais 100 milhões de pessoas passem à condição de pobreza extrema.
Atualmente 34 dos 54 países africanos precisam de ajuda externa para combater a fome, segundo a FAO. As condições materiais existem como nunca houve e podem atenuar e reverter a situação. Falta é diminuir o índice de desentendimento humano. (Com Henrique Delgado)