Em meados da década passada, Joko Widodo se tornou o primeiro prefeito eleito de forma direta de Suracarta. Conhecida como cidade do “pavio curto” por conta da violência endêmica, Suracarta viu uma administração bem-sucedida de Widodo, a qual acabou lançando-o na política nacional do país.
Em termos de número de habitantes, entre o Brasil e a Indonésia ainda se encontra o Paquistão, que ultrapassou a população brasileira entre 2018 e 2019. Todavia, em termos de democracia o Paquistão é um regime híbrido. Eleições e transições ocorrem desde 2008, mas sob muita tutela – e ameaça de violência – por parte de determinados setores entranhados no poder.
O que é interessante é que dentre as quatro maiores democracias do mundo, as duas classificadas atualmente como mais democráticas não são as duas gigantes do norte e do sul da América, mas sim as asiáticas. No principal índice usado por pesquisadores e analistas acadêmicos para comparar democracias no mundo, o Polity, no mais recente ano classificado e divulgado (2018) Índia e Indonésia receberam 9 de 10 (sendo 10 o mais democrático), enquanto EUA e Brasil ficaram com 8 de 10. Importante notar que para baixo de 8, a situação já caminha para uma realidade cinzenta.
O Paquistão, por exemplo, é 7, assim como foi o Brasil entre 1985 e 1987. Por curiosidade, o último ano em que o Reino Unido esteve abaixo de 8 foi em 1900 e o grupo que calcula o Polity, apontou que em 2019 os EUA estavam em 7 e caindo. Algo inédito. Tão inédito que em 2020 o financiamento do governo estadunidense foi cortado e as publicações cessaram.
Evidente que nenhum índice complexo como esse de qualidade da democracia é perfeito. De todo modo, é uma escaramuça intrigante associar as brigas da elite nacional por que passam os EUA e o Brasil com índices baixos de democracia. Com diferentes partes da elite envolvidas em denúncias e processos, outras usando a eleição para desmoralizar concorrentes e a opinião pública enfraquecida diante da política o índice reflete como é má ideia a politização de tudo.
Mas o que é essa pujante democracia indonésia, que recebe notas mais altas do que a terra que fundou o regime democrático moderno? A coalizão montada por Widodo é ampla até onde a vista alcança. A história da política indonésia pós-colonial é bastante concisa. Se consolida entre o grupo ligado à herança de Sukarno – que liderou o movimento de independência e foi o primeiro presidente do país – e o grupo ligado à herança de Suharto – que prendeu Sukarno e ficou na presidência do país por três décadas, período em que se tornou bilionário. Mais a força da religião islâmica, que se organiza como partido.
A magia de Widodo é ser do partido criado e liderado pela filha do Sukarno e ter colocado para dentro de seu governo as partes mais influentes ligadas ao legado dele. Inclusive entregando seu Ministério da Defesa para Prabowo Subianto, que é genro do falecido Suharto e o candidato derrotado por Widodo nas duas últimas eleições presidenciais. Além disso, Widodo contemporiza com boa parte da agenda política islâmica e mantém seus canais com a elite global.
Decidido, por exemplo, a transferir a capital de Jakarta para uma cidade a ser construída na ilha de Bornéu, Widodo nomeou o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, mais o príncipe herdeiro de Abu Dhabi para orientar o projeto de trinta e tantos bilhões de dólares.
Tendo apaziguado a violenta Suracarta no início de sua carreira, Widodo tenta dar o máximo de corda para tornar o pavio da explosiva Indonésia mais manejável. Ele também se equilibra para promover a ascensão independente e farta da Indonésia numa das mais complicadas e promissoras regiões da geopolítica global. Quem quiser ver o que é de verdade ter que se equilibrar entre EUA e China e fazer uma limonada do limão que está a relação atual entre as duas potências, a Indonésia é um bom caso.
As ruas de Jakarta vivenciaram duros confrontos por conta da reforma trabalhista e tributária aprovada pelo governo de Joko Widodo dias atrás. Em tese, a reforma visa relaxar as leis da Indonésia para atrair empresas que precisam relocalizar suas linhas de produção para fora da China a fim de seguirem conectadas aos EUA. Mas o caso indonésio mostra bem os contornos da democracia possível num mundo cujo paradigma econômico encontra-se em crise.
Com Henrique Delgado
PAULO DELGADO, sociólogo.
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