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Vitória de Joe Biden sobre Donalod Trump não foi por nocaute

Sem a proposição de uma nova ética pública que fundamente as relações sociais para o século 21, as variantes do trumpismo seguirão fortes


08/11/2020 04:00 - atualizado 08/11/2020 07:30

Trump mostrou que com sua cartilha colocou uma parte dos ricos no bolso, mas também conseguiu mobilizar as classes médias e populares(foto: Wacheslav Oseledko/AFP)
Trump mostrou que com sua cartilha colocou uma parte dos ricos no bolso, mas também conseguiu mobilizar as classes médias e populares (foto: Wacheslav Oseledko/AFP)

 

No ringue eleitoral que está sendo a batalha pela Casa Branca, Joe Biden vai ganhar por pontos a chance de olhar para a frente. Muitas lições se apresentam ao observar a estratégia construída pelo Partido Democrata. Porque o problema de ganhar por pontos é, se comparada ao boxe, as pessoas acharem que devia ganhar quem demonstrasse mais combatividade. Contudo, como a eleição não é uma luta de boxe, não há dúvida de que Biden venceu, mas Trump quase não perdeu.

 

Para muitos burocratas de seu partido, Biden ganhou bem: por ter tido o sangue-frio de não confrontar Trump nas áreas mais sensíveis, não oferecer nenhuma agenda inovadora, não ter nenhum arroubo populista, não formular nenhuma visão bem-acabada sobre que papel o povo terá no seu governo. Ganhou porque formou uma gigantesca coalizão e minimizou ao máximo a tomada de riscos. A essência de Biden é o retorno ao mundo pré-Trump. Voltar ao Acordo de Paris, voltar a respeitar a OMC, voltar a contribuir com a ONU, voltar a ser uma superpotência responsável e que se esforça para ser decente e bem-intencionada. Tudo parece muito louvável.

 

Todavia há também a visão de que Biden ganhou mal: porque não fosse o coronavírus e a bem-sucedida e justificada ampliação da votação por correio, a chapa democrata não geraria o entusiasmo necessário para obter uma mudança de rota. O resumo da ópera é que se a chapa de Biden é a que recebeu mais votos na história das eleições americanas, a chapa de Trump terminará como a segunda que mais votos recebeu. À frente, assim, do que Obama recebeu na eleição de 2008 e estabeleceu o recorde até aqui.

 

Ou seja, Trump demonstrou que sua cartilha populista de direita espetaculosa não apenas colocou uma parte dos ricos no bolso, mas também conseguiu mobilizar as classes médias e populares, dando-lhes uma identidade para a qual a direita moderada, o centro e a esquerda não estão conseguindo articular muito bem uma alternativa. Como Biden não formulou uma visão bem-acabada da plataforma que propõe e a defendeu, foi Trump quem colocou palavras em sua boca.

 

Biden tem uma história de vida humanamente bonita e é uma pessoa decente, tem a chance de exercer um mandato em que a decência não signifique apenas a “indecência que conspira em silêncio,” como falava Bernard Shaw. Afinal, essa foi uma das marcas dos anos pré-Trump e que levaram aos trumpismos. Ao invés de olhar para trás Biden, precisa olhar pra frente e propor uma nova era.

 

A alternativa não pode ser apenas a negação estética e ética do populismo midiático de direita. Tem que nascer uma proposta que melhore de fato a qualidade de vida das pessoas desesperançadas. Para que o novo governo não fique preso à conversa ilógica de quem promete parar a melhoria de vida do outro para melhorar a do crédulo eleitor.

 

Sem a proposição de uma nova ética pública que fundamente as relações sociais para o século 21, as variantes do trumpismo seguirão fortes como alternativa para quem sente e sofre com as complicações do mundo atual e ingenuamente pensa que ninguém está lucrando com a confusão.

 

Grande parte do erro que os analistas americanos cometem ao tentar entender o que passa nas eleições vem da utilização de uma ótica de cor de pele – que gostam de chamar de raça – para determinar as instabilidades eleitorais. Quem vê o mundo desse jeito acaba fazendo com que o mundo funcione um tanto quanto desse jeito. O ser humano é antes de tudo uma pessoa única.  Se fossem usadas as lentes de emprego e renda, classe, mobilidade social e região geográfica, os comentaristas políticos errariam menos.

 

Não que o racismo não exista e que certas pessoas não se animem a votar por instigações racistas – afinal, a segregação saiu da lei, mas não da cabeça de muitos. Contudo, há outras clivagens bem mais importantes para a maioria das pessoas, que as une e as separa de múltiplas maneiras. E é bom que seja assim, já que não é desejável aos EUA deixarem de ser democráticos.

 

A coluna “O contrassenso de Trump”, de 16 de agosto, já previa que as pesquisas de intenção de votos estavam calibradas de forma errada, sem perceber que a intenção de votar em Trump estava aquém dos votos que acabaria recebendo nas eleições. Não é que as pesquisas eram mal-intencionadas. A forma de entender a realidade é que é um pouco tosca. E essa forma está gravada no modo como a escolha da amostragem é fundamentada para as pesquisas.

 

De toda forma, uma grande confluência de imponderáveis fez com que em 2020 uma maior parte dos eleitores decidisse testar algo diferente do estilo e da agenda Trump. Bem ou mal, Biden ganhou. Tem agora quatro anos para ajudar o mundo, antes que a coisa piore.

 

Com Henrique Delgado 

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