“A bolha vai estourar no seu tempo devido, não importando o quanto o FED tente dar suporte a ela.” O alerta é do inglês Jeremy Grantham, gestor de ativos bilionários sediado em Boston, desafiando a psicologia de manada do mais otimista especulador das bolsas atuais.
Forte crítica ao Banco Central dos EUA, que levou os Bancos Centrais a elegerem o povo como o principal adversário da moeda, para proteger da depressão os especuladores.
Ninguém que come o bolo consegue ter o bolo. Só os beneficiários da especulação e os governos sem pé no chão, que a um custo social impagável contribuem para o derretimento da economia, o enfraquecimento da classe média e aumento da pobreza.
Bolha, certamente tem. O preço das ações está, em geral, muito sobrevalorizado em relação ao que as empresas possuem/lucram e ao que podem possuir/lucrar no futuro.
O xis da questão é que algumas dessas empresas aventureiras apostam na crise (e o dinheiro barato à disposição) para aumentar sua participação de mercado. Para quem tem história, a sugestão é cautela e persistência.
Grantham lembra que, para a bolha estourar, a sobrevalorização é necessária, mas não é suficiente. E ninguém consegue prever quando estoura. Tem gente que acerta o ano, ou mesmo o que ocorrerá dentro de alguns anos (diz ele, por exemplo, que parou de investir no Japão, em 1987, prevendo o estouro de uma bolha que só aconteceria em 1990).
Há muitos fatores inflando o preço de ações. Entre eles, a oferta constante por parte dos Bancos Centrais (sobretudo o FED) de dinheiro barato para o sistema financeiro.
Muito desse dinheiro barato (juros baixos ou negativos) não está indo para Formação Bruta de Capital Físico – ferrovias, fábricas, máquinas, etc – ou investimento em educação/pesquisa, que são as duas únicas coisas que geram crescimento de longo prazo.
Outro fator é a poupança extraordinária de uma faixa da população, que está consumindo menos por conta da pandemia. Um terceiro é consequência do fato de que, com juros baixos ou negativos na renda fixa, muitos investimentos conservadores – como planos de aposentadoria e gestão de fortunas – ampliaram sua exposição a ações.
A aposta de que a bolha irá estourar vai contra a disposição do governo americano de seguir fazendo de tudo para não deixar ocorrer uma depressão de origem financeira.
Dito isso, deixemos Jeremy em paz.
O afrouxamento quantitativo, que leva à emissão sem freio, patrocinado pelo FED desde 2008, salva a economia de ter uma crise profunda e incerta, mas gera distorções que acirram a desigualdade.
É uma questão política com diversas saídas econômicas, mas centrada em avaliações e decisões sobre quais grupos na sociedade ganham e perdem poder com esse dinheiro que Bancos Centrais distribuem, assim ou assado.
Trump era obcecado com valores das ações e índices da bolsa. Mas essa linha de tomada de decisão vem desde a transição entre Bush e Obama e os acordos defendidos e implementados por Ben Bernanke, presidente do FED, em ambas as administrações.
Dificilmente essa linha mudará com Biden. Em especial, porque nos EUA todo mundo com influência (inclusive a classe média) está ligado à bolsa. Lá, mais da metade das famílias tem alguma exposição direta ao mercado de ações. A aposentadoria das pessoas está em fundos de ações. Seria um desastre muito custoso politicamente.
O que parece que Biden vai fazer é associar essa linha a outras estratégias que façam com que a economia real cresça num novo patamar de qualidade. E consiga diminuir esse hiato entre o preço inflacionado das ações e o valor que tem a ver com a economia real onde a outra metade das famílias ganha 100% a vida.
Não necessariamente vai resolver o problema da bolha, mas deve criar investimentos em Formação Bruta de Capital e educação/pesquisa.
Vai dar certo? Ninguém sabe. Mas aparenta ser uma estratégia melhor do que a que vinha desde 2008. Porque o mundo criado desde 2008, realmente, é uma bolha que só não estoura porque segue sendo inflada.
O FED prefere transformar incerteza em risco em vez de se preocupar para onde vai o capitalismo.
Bernanke publicou, recentemente, que a desigualdade talvez não seja cíclica, mas, sim, estrutural e com tendência de crescimento, eximindo o FED de responsabilidade.
Há aí um alerta ao Brasil: não dá para o Banco Central querer tanto poder e não se achar parte da questão estrutural ou criativo para resolvê-la. O problema é decidir “onde”, “como”, e “se” é interessante crescer a economia.
Economicamente, esses problemas são resolvíveis. Entretanto, é a política que tem o poder de fazer a mentalidade coletiva superar a mentalidade individual. Mas a política se desequilibrou em desfavor do coletivo. (Com Henrique Delgado)