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A França perde a esperança e interesse na política está no menor nível

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Dias atrás, a principal pesquisa francesa sobre confiança política veio a público com dados complicados. Realizada pelo Cevipof, de Paris, a pesquisa compara a opinião de franceses, alemães, italianos e britânicos sobre o estado de espírito dessas populações. Nela se vê, por exemplo, que o sentimento de medo caiu significativamente do ano passado para cá entre os franceses, o que é bom, mas o sentimento de abatimento explodiu.


Comparado a italianos, britânicos e alemães, o interesse dos franceses na política está no nível mais baixo; por outro lado, o descontentamento com o capitalismo é o mais alto. Mas isso numa sociedade em que a maioria das pessoas está se identificando com pautas conservadoras.

Além disso, 77% das pessoas apresentam sentimentos negativos em relação à política. Já a confiança com relação a pessoas de outra nacionalidade atingiu o ponto mais baixo da série iniciada em 2009 e quase metade dos franceses pensa que o país deva se fechar mais, inclusive economicamente.

Os debates principais na França fermentam a confusão e Emmanuel Macron contribui para isso. Porque 62% dos franceses veem o Islã como uma ameaça para a república, o presidente resolveu chamar o problema de “separatismo” e mostrar uma dureza ao fechar a discussão na ideia de que o país estaria sob ataque não só do Islã, mas até das “tradições anglo-saxãs”.


Enquanto Macron tenta se mostrar como o enérgico líder acima da política capaz de proteger a república, problemas comportamentais das elites parisienses geram escândalos que estremecem as bases muito bem-estruturadas – mas muito fechadas e de pouca responsabilização pública – dos clubes parisienses que criaram Macron e sustentam sua visão do que é a república.

Entre as muitas versões possíveis, há duas chaves importantes para compreender o que se passa no país. Uma literária e outra sociológica.

No lado sociológico, o bendito Alain Touraine, aos 95 anos, lembra que a França não “cessa de escolher o campo do Estado contra a sociedade”. Podem ser os conservadores tradicionais admiradores de De Gaulle, ou socialistas, ou comunistas. A França é uma sucessão de ciclos e clubes sociais hierarquizados em defesa do Estado.

No lado literário, o maldito Michel Houellebecq, em seu livro “Submissão”, publicado antes do fenômeno Macron, imaginou um segundo turno entre Marine Le Pen e o imaginário líder da imaginária Irmandade Muçulmana Francesa. Na sátira de Houellebecq, o líder muçulmano se torna presidente após ganhar o segundo turno com o apoio do establishment que havia se despedaçado no primeiro turno.


É interessante que para a ascensão de Macron ajudou a ideia de que ele seria um líder além da esquerda e da direita, acima de partidos. A conversa fiada do mundo atual que alimenta a ousadia dos medíocres. Conversa que assegura o não despedaçamento do establishment, que embora colocado como esteio da república anda indiferente à sua agonia. Uma república cujos valores não seriam servidos pelos reacionários da família Le Pen, mas que chegaram a um terço dos votos no segundo turno da eleição passada, em 2017, com Marine Le Pen.

A França que segura esse voto extremista há mais tempo pode chegar por último ao fim do ciclo da experimentação internacional com a extrema-direita. O partido reacionário dos Le Pen, cujo mais recente nome é Reagrupamento Nacional, foi “normalizado” nos últimos anos. Em parte por erros de Macron, em parte pelo esforço de anos da Le Pen em suavizar o discurso e cativar o centro. Sinais de que essa coisa do Macron querer ser esperto demais está fazendo os franceses perderem a esperança.

As trapalhadas francesas com a COVID-19 são exemplo. Entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a França é o único que não conseguiu até aqui produzir uma vacina própria. Enquanto isso, Macron, cuja esperteza ultrapassa o próprio talento, fica falando mal da vacina britânica para seu público doméstico.  E através de entrevista ao Financial Times de Londres inicia um movimento para denunciar o absurdo que é as vacinas serem produzidas nos países ricos e não serem enviadas para os países pobres.


Macron mantém um arcaico deslumbramento pelo G7, que deseja reviver com malícias como essa de apontar um “perigo” de China e Rússia fazerem diplomacia com vacina. Mas sua concepção, em pleno 2021, de que multilateralismo é o G7 é trôpega. Mais sinal de que precisa da Alemanha (que tem vacina) para falar em nome da Europa. Uma Europa que de fato devia estar enviando vacina mundo afora. Mas não está porque, no fundo, o máximo que a sofisticação de Macron atinge é a preocupação com o aspecto de marketing da operação. (Com Henrique Delgado)