Jornal Estado de Minas

COLUNA

A ida de Paul Kagame ao G-20 e as lembranças de Hotel Ruanda

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Tempos interessantes. Na cúpula do G-20 os líderes de China, Rússia, Japão e México preferem não comparecer. Em Roma, líderes de Índia e Estados Unidos vão visitar o papa, ao contrário do que faz o líder do país com mais católicos no planeta que, intratável, pegou fama de bicho do mato.



Mas esse não é um artigo sobre os grandes do mundo, mas sobre um pequeno país que chamou atenção no G-20 porque anda surpreendendo nos últimos meses. É sobre como o interesse governa o mundo. 

Paul Kagame, que governa Ruanda há duas décadas, foi convidado especial do G-20. Kagame foi pressionar pela alocação do equivalente a US$ 100 bilhões em direitos especiais de saque (DES) para o continente africano. Os DES são ativos mantidos pelo FMI e foram expandidos para ajudar países no combate ao novo coronavírus e na recuperação pós-pandemia.

Países africanos reclamam que o liberado para eles não tem sido suficiente. DES são considerados boa alternativa para a situação atual pois funcionam como empréstimos com juros muito baixos e sem risco atrelado a refinanciamentos futuros.



Em Roma, Kagame foi recebido na embaixada da França em encontro organizado por Emmanuel Macron com outros líderes da União Europeia e com Félix Tshisekedi, presidente República Democrática do Congo e atualmente à frente também da União Africana.

Se Macron deseja se colocar como fiador dos US$ 100 bilhões a mais para a África, Kagame quer ser o intermediário em nome da agência de desenvolvimento da União Africana. Não há dúvidas de que o continente africano precisa de acesso a mais DES do que os US$ 33 bilhões direcionado até aqui. O interessante são os caminhos que ligam a disposição francesa e o papel de Ruanda.

O pequeno país no meio da África subsaariana é um pouco menor do que Alagoas e é comumente lembrado por uma das mais absurdas tragédias dos anos 1990, recriada artisticamente no famoso filme Hotel Ruanda. Uma ficção baseada em fatos sobre o genocídio que "todo mundo concorda que foi genocídio", como diz Samantha Power, embaixadora dos EUA na ONU.





Durante o genocídio perpetrado por milícias hutus contra o grupo tutsi em Ruanda, Paul Rusesabagina, um hutu, deu abrigo para tutsis no hotel que gerenciava. Estima-se que a atitude de Rusesabagina teria salvo cerca de 1 mil pessoas da morte naquele trágico 1994. Ao todo, cerca de 800 mil tutsis foram massacrados ao longo de 100 dias. 

De fora, Paul Kagame organizou a retomada de Ruanda pelos tutsis por meio da Frente Patriótica Ruandesa. Tomou o poder naquele mesmo 1994. Desde então, Kagame cuida da defesa e das relações exteriores do país. A partir de 2000 é também seu presidente - daqueles que vão mudando as regras e seguem se elegendo com quase todos os "votos". 

Atualmente muita gente se choca que o governo de Kagame mantenha preso Paul Rusesabagina, o herói da história do filme Hotel Ruanda. A questão é que a pequena Ruanda, sob Kagame, desenvolveu um aparato militar de causar inveja no resto da África e o usa indiscriminadamente. 





É assombroso o que se passa em Cabo Delgado, que não é nosso parente, província no extremo Norte de Moçambique, assolada por milícias extremistas desde 2017. Com o passar do tempo ficou claro que as Forças Armadas de Moçambique estavam perdendo controle da província.

O país lusófono pediu apoio à União Africana e à Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) sem sucesso.  Tanto um como outro demoraram para ajudar.

Eis que a partir de julho desembarcam em Cabo Delgado cerca de dois mil militares e policiais da longínqua Ruanda e dão conta de expulsar os rebeldes que aterrorizam a província. 

A empobrecida Região Norte de Moçambique já foi local de um projeto de cooperação para desenvolvimento nipo-brasileiro. Chamado ProSavana, projeto dos delírios diplomáticos dos governos Lula-Dilma, visava usar a expertise adquirida no cerrado brasileiro para transformar Moçambique em exportador de alimentos.



Após apanhar muito internacionalmente, o projeto foi abandonado e as esperanças de geração de renda para a região passaram a ser então a exploração de gás liquefeito natural pela multinacional francesa Total.

Em março deste ano, a França divulgou um relatório oficial em que faz um forte mea-culpa por seu comportamento desastroso durante o genocídio de 1994 em Ruanda.

Foi a senha para uma reaproximação entre os países e pavimentou, discretamente, o socorro que Ruanda presta atualmente parte a Moçambique parte à francesa Total. E assim segurança, intervenção humanitária, negócios e desenvolvimento vão sendo encaminhados nesse mundo de encontros e desencontros. (Com Henrique Delgado)