Jornal Estado de Minas

OPINIÃO

O que vai pelo mundo: a falta de fluidez sobre política internacional

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Ninguém consegue mais ter fluidez na conversa sobre política internacional. Todos se esforçam para dizer com ênfase alguma coisa e deixar no ar um recado para alguém. Dar notícia, comentar, conversar virou uma forma excitada de falar de si mesmo. No noticiário de televisão, então, a impressão que se tem é de que a guerra Rússia-Ucrânia está na sala e que vão bombardear nossa cozinha. A irracionalidade e o abandono do juízo poluíram o ar.





Os impactos econômicos do conflito são definitivos e serão de longo prazo. O mundo vive hoje de uma só vez todos os choques de crises anteriores, resumem os melhores especialistas. A crise de inadimplência será mundial e a previsão é a de quebra de mais de uma centena de países. A economia será dedicada à produção de energia, e não o  contrário, maldição brasileira que vai predominar em todo o mundo. Fugir do petróleo e seus derivados é o maior desafio do hemisfério norte, onde se consome 80% da produção mundial desta energia suja.

Enquanto isso, como se fosse uma resolução de um congresso de arcanjos, surge à esquerda e à direita uma inesperada convergência. A mais espetacular consequência da brutalidade Russa na Ucrânia é concluir que, do ponto de vista dos princípios morais que sustentam a sociedade democrática, o pensamento político continua uma lástima. Putin quer ser o sol que não declina e conta, pelo mundo, com o apoio espiritual dos partidos e dos governantes autoritários de esquerda e de direita.

Para a União Europeia, a invasão da Ucrânia está sendo vista de forma semelhante aos atentados de 11 de setembro nos EUA. Aumentou a preocupação com a segurança no continente, a desconfiança contra as intenções de Putin em relação ao uso do seu arsenal de guerra contra a Europa e, imediatamente, aumentaram os gastos militares.



E, assim, deve aumentar consistentemente na próxima década a força do complexo industrial militar que já domina a mentalidade norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial. Da mesma maneira, diante da necessidade de se reconfigurar a engenharia atual de produção e distribuição de energia na Europa, muito dependente da Rússia, e de alimento, em todo o mundo, a segurança energética e alimentar entra de forma decisiva na definição de estratégias geopolíticas.

Em análise da conjuntura internacional do mês de março, o Conselho de Economia Empresarial e Política da Fecomércio de São Paulo descreve bem o cenário mundial. Segundo o CEEP, a crise energética, que já mostrava um quadro difícil durante a pandemia com a insistência da Opep em manter o nível de produção, foi intensificada com a saída da Rússia de boa parte do mercado de petróleo.

Como o mundo vive um processo inflacionário, este efeito pode ser devastador. Políticas monetárias serão cada vez mais contracionistas no mundo, com risco real de estagflação, principalmente na Europa.

Os EUA absorveram, pelo menos por enquanto, de forma mais favorável, os impactos da guerra, até porque a dependência americana da energia russa é bem menor. A economia continuou mostrando crescimento e o mercado de trabalho permanece aquecido. Além disso, a bolsa não caiu e não houve corrida por títulos.





Na China, a invasão russa vem causando problemas internos. A posição titubeante do presidente Xi Jinping vem sendo criticada pelo receio de sanções ocidentais. Xi já vem sendo pressionado por parte do partido pela política isolacionista e pelas restrições feitas ao setor privado no país. As críticas são dirigidas no sentido de culpá-lo pela redução do crescimento econômico. Para reverter esse quadro de instabilidade política, o governo deve abusar de políticas expansionistas, gerando um custo adicional para o futuro, mas garantindo crescimento maior no curto prazo.

O debate no mundo econômico continua sendo inflação. O choque exógeno da invasão da Ucrânia piorou o cenário, e os bancos centrais internacionais ainda estão “atrás da curva”. O ajuste no futuro certamente terá que ser maior. Não há muito espaço para a vida inteligente e muito imaginativa quando se trata de controle da moeda.

Enfim, o capitalismo demonstrou que é o maior sistema de cooperação em atividade no mundo e deixará a Rússia sem saída, se insistir em ficar fora do sistema democrático mundial. A velocidade com que se articularam decisões não militares e a alta conectividade que o mundo ocidental estabeleceu – melhor aproveitando a era tecnológica, a internet e as consequências econômicas e socioculturais da globalização – deixaram o governo russo fora do radar civilizado. Lição da guerra: o autointeresse do cidadão é melhor atendido por governos democráticos. (Com Henrique Delgado)