A vida não está nada fácil e a crise que o mundo vive é, até agora, essencialmente negativa. A causa do fenômeno parece ser a dificuldade que os países enfrentam de diversificar a produção nacional, melhorar a produtividade e criar melhores condições de trabalho para os assalariados.
É mais do que isso, todavia. O rompimento dos laços de solidariedade entre a Economia, o Estado e a Sociedade se tornaram maiores por causa do sistema financeiro do que das mudanças no mundo do trabalho. A liberdade de atuar do especulador é oposta à batalha dos indivíduos para ganhar a vida pelo emprego e o trabalho. Cria uma ilusão de que é fácil ganhar dinheiro. Muitos defendem a volta do operariado, das longas jornadas de trabalho e do sistema industrial fabril como solução para buscar encontrar e consolidar as esperanças humanas.
O desmantelamento das economias nacionais pela irresponsabilidade especulativa não é uma transformação histórica grandiosa. O processo de mudança e de criação de uma nova ordem mundial não será feito por bancos, crises monetárias, dança de lobos nas bolsas de valores.
Manipular câmbio, juros, inflação, moeda e bolsa num teatro de atores sem rosto mais conduz o espetáculo em direção à violência na vida social. Especialmente diante de governos fracos e sociedade entorpecida.
A mutação cultural atual parece incontrolável para quem defende o determinismo econômico do mercado. Sem contribuição do Estado e governos improvisadores, a vocação das empresas é detonada pelo mercado, alimenta a ilusão especulativa de ficar rico em um dia, desmoraliza a vontade e a necessidade de lutar para viver, que é a ética da maioria. E por qualquer forma, no jogo bruto dos interesses, a economia especulativa se separou da economia real e passou a exigir trilhões e trilhões de governos em muitos países para sanear estragos feitos por jogadores cúmplices e rivais e cobrir crimes contra a ordem econômica e social.
Após 2007, até hoje, em todos os países o silêncio dos partidos, sindicatos e das associações profissionais liberais, e a ausência de reação dos intelectuais, abriu o espaço para aventuras econômicas enfraquecendo o conjunto da sociedade. O deslocamento das empresas, fusões e aquisições sem planejamento, a alta concentração econômica nas cadeias globais, praticamente acabou com a livre concorrência.
Uma das consequências é a política não conseguir mais se organizar de forma social-democrata. Diminuíram as perspectivas reais de estabilidade e segurança para que as pessoas toquem a vida em comunidade e possam se auto-representar como sujeitos de seu destino.
Está irremediavelmente comprometida a vida integrada e estável. Não existe interdependência capaz de reunir o ambiente favorável ao nascimento do afeto com as instituições culturais e sociais onde se aprende a adquirir, respeitar e fazer evoluir a história humana. Difícil esperar que as categorias econômicas da produção transnacional e do mundo financeiro abram mão do triunfo da sua cobiça para diminuir a desigualdade humana. Este o traço mais negativo do alerta que expresso neste artigo.
Os sentimentos humanos não suportam tantos choques vindos de fora. Choques que golpeiam mais impiedosamente os jovens que perdem a perspectiva de dar um bom rumo às suas vidas. Os velhos percebem a decomposição da bondade humana e ampliam seu silêncio social em troca de territórios protegidos das imensas perdas sofridas pelo seu coração. Esperam que a sociedade os acolha e de alguma forma os deixe sobreviver livres do abandono afetivo, da opressão econômica, da indiferença familiar, no mundo pós-social que se anuncia.
Para muitos, é bem desorientador saber que os problemas culturais e sociais na sociedade atual é um fato novo. Diferente da sociedade de massas do final do século XX que não dissolveu a sociedade tradicional. Nem criou esse mundo de públicos transformados mais por formas jurídicas de direito do que por formas humanas de respeito.
As pessoas estão virando abstrações e tautologias confusas de uma regularidade mundial assustadora. Não é de se estranhar que o sofrimento tenha virado o mesmo em qualquer lugar. Como se os primeiros 22 anos do século XXI tenham produzido um tipo histórico, uma configuração singular de pessoa específica, humanamente útil para fins ainda desconhecidos.
O enfraquecimento do sujeito social deu força errada ao sujeito pessoal. O mundo dos fatos não vai melhorar se o mundo dos princípios mais ainda nos dividir.