A produção de mercadoria produz também relação social. E constrói seus símbolos nas ruas, cidades e prédios. A universalização do capitalismo moderno, com códigos de comunicação harmonizados e de desempenho dinâmico e semelhante, são nós de um mesmo sistema mundial. Produzem estruturas integradas em rede que não se importam com as ameaças que seu desequilíbrio contém. O principal elemento destes nós são as pessoas como produtos materiais usadas em excesso. E o excesso produz tensão e frustração. Estão aí as novas doenças fruto da coerção do progresso.
A rede tem uma pretensão de racionalidade, flexibilidade, adaptabilidade, desconstrução e reconstrução contínuas e não supõe o quanto afeta as relações sociais, de poder e de gosto. Novas estruturas institucionais e apetites movimentam e desorientam o ser humano como nunca antes na história. A sociedade em rede, impulsionada pela evolução tecnológica, misturando produção econômica, evolução social e comportamental, impõe processos sociais, modos de pensamento, dando forma à própria estrutura social. Quem tem força para renunciar ao amor pela moda? Quem está disposto a buscar saída para o inevitável?
A superação da sociedade industrial, do saber técnico individual, da imposição da passividade diante das mudanças, não é só reflexo da dinâmica econômica em curso. É principalmente a imposição de uma era de informação interativa e multimídia de consumo e organização de tarefas. A nova ordem mundial desmonta o tempo cronológico e fragmenta na cabeça das pessoas uma nova noção de temporalidade, adoração da velocidade, o real automático, total disponibilidade para a conveniência das redes, sem fuso horários, dia, noite ou distância.
A fuga da emoção e da cultura ao tempo é a maior conquista até agora deste mundo veloz e conectado. Mas o mundo instantâneo é o maior fracasso da geração atual a ser deixado para crianças e jovens como um valor de uso. A compressão do tempo e a indiferença em relação à sua passagem pela natureza não ajudam na coesão social. Foi a sabedoria do espírito aberto de pessoas livres que formou famílias e comunidades, deixou as crianças crescerem em paz, pois aquilo que ocorre porque é bom ocorre naturalmente. Hoje, porém, o conceito de bom está evaporando na cara de todos, a cada dia. Até que o sangue vire água, e os jogos diversos da comunicação instantânea e o mundo on-line dos aparelhos tirem da nova geração a percepção livre, o olho para discernir e o coração para revelar.
O sistema de redes prospera melhor na sociedade sem raiz, saturada por fluxos diários de comunicação e informação. Reflexo disso na arquitetura e no design de vanguarda são os escritórios sem limite, hall de hotéis, hospitais, estações de trem e metrô, saguão de aeroportos, espaços abertos enormes, claríssimos, de vidro, tela transparente de TV, prédios espelhados – onde os passarinhos morrem ao bater no céu artificial que projetam –, raríssimos sofás modulares perdidos dentro de um átrio gigantesco. Conduzindo todos para a identificação biométrica que captura, sem interesse, relações sociais perdidas no tempo, e as faz sem história, um mais um a
circular por símbolos de uma arquitetura que reflete, no espaço que ocupa, a insignificância da pessoa diante da alta tecnologia.
O real imaginário não é mais um faz de conta. Pessoas sensíveis, com recursos e bom gosto, dotadas de alguma memória afetiva buscam algum sentido para criar sua família e viver em ambiente não massificado. Os milagres da multimídia não são milagres, como o faz de conta não é realidade. Em busca de realidades que não foram despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico, cada vez mais pessoas querem compartilhar o tempo com os outros. Saem à procura de bairros de que ouviram falar, cidades perdidas no tempo, com alguma personalidade, para fugir de domicílio eletrônico, poder interagir sem ser receptor de interação, fazer seu próprio horário nobre e não viver o horário nobre da tv.
Quando tudo é igual, tudo é lugar nenhum. É o risco que já enfrentam as tentativas de fugir ao processo uniformizante de urbanização e o paisagismo artificial que corretores vendem como se fossem a Rambla de Barcelona ou uma aldeia charmosa de subúrbio inglês. Não alerta seus moradores que, após os piores congestionamentos possíveis, serão conduzidos a um Monte Carlo simbólico, canto virtual de uma megacidade real. A modernidade em rede se anuncia selvagem diante da humanidade. A alegria da aparência, ser parte do jogo, usado como enfeite. É pouco para um ser humano.