Impossível antecipar tal desenlace. O Brasil, definitivamente, não é para amadores. A comédia sempre supera a tragédia. Quem poderia, num sonho libidinoso, imaginar encontro do ex-presidente Michel Temer com Bolsonaro? Não. Menos ainda para o que foi, e merece por todos ser comemorado. São Paulo, o Apóstolo dos gentios, não teria feito melhor, pregando o desarmamento dos espíritos e o amor como única ponte para o futuro. Ontem, presenciamos a beatificação de um político em vida: São Michel, Apóstolo.
Há profundos desdobramentos do episódio. Firma-se mais a estabilidade institucional, esta que conhecemos e, aliás, a única com que podemos contar. Não confundir estabilidade das instituições, no entanto, com eficiência institucional ou com Estado de direito. Pelo contrário, a loucura de Bolsonaro sempre teve método em apontar, sem mira nenhuma, falhas intoleráveis da nossa estrutura institucional vigente. Os poderes não são harmônicos, nem passarão a ser após a carta aos brasileiros. Continuamos devendo explicações graves à nação, que apenas começam pela desmontagem vergonhosa dos avanços da Lava-Jato no combate à corrupção.
O Brasil tem um establishment que opera CONTRA o progresso moral da sociedade brasileira e que, em décadas recentes, passou a desconsiderar também o solitário vínculo de harmonia que mantinha com o povão, um pacto por empregos e algum progresso. Esse pacto tácito foi rompido. A máquina pública não cabe mais no PIB e esse elefante esmaga o país produtivo e anula os avanços que nós, cidadãos comuns, tentamos fazer.
O Brasil tem um establishment que opera CONTRA o progresso moral da sociedade brasileira e que, em décadas recentes, passou a desconsiderar também o solitário vínculo de harmonia que mantinha com o povão, um pacto por empregos e algum progresso. Esse pacto tácito foi rompido. A máquina pública não cabe mais no PIB e esse elefante esmaga o país produtivo e anula os avanços que nós, cidadãos comuns, tentamos fazer.
Vivemos um transe institucional, quer dizer, não há, de fato, estabilidade confiável, mas, tão somente, estabilidade formal, com a permanência dos ditames dos privilegiados sobre a malta que paga impostos sem chiar. A curiosidade é apenas como os arranjos políticos devolveram o Bolsonaro “revolucionário", aquele que convenceu o imaginário popular sobre uma mudança efetiva, agora convertido num gatinho que procura sua zona de conforto.
Melhor para o Brasil, com a interferência oportuna de São Michel. A “utopia" de Bolsonaro não passava de distopia paralisante. O governo atual, lamentavelmente, é um conjunto vazio. Nisso é enorme a responsabilidade – ainda a ser apurada – do grande avalista dessa pantomima, o ministro Paulo Guedes. Num país ávido por desenvolvimento com D maiúsculo, Guedes jamais foi capaz de descer do palanque oposicionista a si mesmo (nisso imitando o chefe) e passar a entregar o conjunto reformista que, na realidade, jamais planejou ou arquitetou, a começar por uma verdadeira reforma dos Impostos.
Epístolas são inspiradoras. Esta última, de São Michel, nos compra algum tempo. Mas precisamos de conteúdos para preencher o tempo de prorrogação que ganhamos. Falta o script principal, o projeto de nação. O Brasil busca o roteiro do filme e um diretor para a nação. Um alinhavado interessante e inspirador acaba de ser assinado por algumas centenas de mineiros: o segundo Manifesto dos Mineiros, coordenado pela Associação Comercial de Minas, cujo presidente, José Anchieta da Silva, também tem nome de santo e não dança pela música do famigerado establishment nacional. O Manifesto dos Mineiros – que merece ser lido - tem a coragem de afrontar uma falsa verdade, que nossa Constituição é ótima e não precisaria de revisão. Precisa, sim. Nunca precisou de tanta e tão profunda revisão. Para quebrar os privilégios, para recompor a justiça fiscal e tributária, para simplificar a vida do cidadão comum, para democratizar o capital público do país, fazendo o povo finalmente prosperar, num país que, de tão rico, não deveria deixar ninguém para trás.
Com otimismo, podemos dizer que essa revolução está mal começando. A mobilização de todos, nas ruas, precisa continuar.
(*) Paulo Rabello colabora com esta coluna quinzenalmente