O cidadão comum costuma alimentar a ilusão da democracia eficaz, aquela em que os representantes da sociedade, seja no Executivo ou, principalmente, no Legislativo, todos encarnam de corpo e alma os deveres dos seus mandatos. Sabemos que a realidade está longe de ser assim.
Importa, sobretudo, a manutenção do mandato pela recondução ao poder, que passa a ter maiores chances de ser alcançado mediante a manipulação de um naco da verba trilionária do Orçamento público, ao qual esses representantes têm acesso privilegiado.
O próprio tamanho do tesouro orçamentário, todo à disposição desse grupo voraz, os corrompe até a medula, na gana de distribuir vantagens aos seus apoiadores, nas bases eleitorais, cujas pautas são igualmente paroquiais, quando não contaminadas diretamente pelos desvios de verbas e pela corrupção da máquina.
presidente da República e seus ministros têm sido sempre uma esperança renovada de alguma seriedade e bom senso que haveriam de prevalecer sobre as disputas de quadrilha em cima do Orçamento.
Quando essa fé no supremo representante e sua equipe nos falseia, o problema crônico da corrupção na democracia se torna um caso agudo e irrefreável de imoralidade e, portanto, de ilegitimidade institucional, requerendo a manifestação direta dos prejudicados, o cidadão pagador, com seus impostos, da farra e da esculhambação.
Todo santo ano, o governo federal sabe, com antecedência, dessas contas a pagar. São dívidas executáveis, tal como um título público é dívida. Mas é péssimo costume entre nós o devedor público querer fazer corpo mole e tentar adiar esse pagamento.
Os supostos protetores da Lei Maior a entortam e a enxovalham na caça ao privilégio de gastar sem limite, às custas do adiamento da liquidação de dívidas batendo à porta.
Não à toa, um político de currículo impecável, como Ciro Gomes, decidiu “suspender” sua pré-candidatura pelo partido que o abriga, depois que 15 dos 22 deputados da sigla tiveram a cara de pau de votar pelo calote dos precatórios.
É possível que haja arrependidos na segunda votação dessa PEC na Câmara. E ainda resta testar o que teria restado moralidade no Senado, para onde tramitará a malfadada proposta que pretende bater a carteira do povo em plena praça pública.