Uma das tiradas mais engraçadas de grandes comediantes do século passado é a disjuntiva do Groucho Marx (1890 – 1977) – líder do grupo americano Irmãos Marx – ao afirmar que jamais poderia fazer parte de um clube que o admitisse como sócio! Impossível não lembrar dessa observação, ao mesmo tempo tão humilde e sagaz do velho Groucho Marx, quando o governo brasileiro vem de anunciar que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teria convidado o Brasil a ser candidato a fazer parte dessa instituição, fundada em 1961 e sediada em Paris, França.
O convite teria sido feito dias atrás e virou noticiário, competindo com estatísticas da COVID-19 e com imagens das inundações Brasil afora. O ministro da Economia, de mãos vazias de fatos positivos há bastante tempo, correu para engrandecer o convite da OCDE, como se o Brasil tivesse tido um reconhecimento internacional de bom comportamento, mas esquecido da frase de Groucho Marx sobre desconfiar desse inesperado acolhimento do nosso país num “clube de países ricos”.
Para sermos precisos, a OCDE, fundada pelos Estados Unidos e alguns dos seus aliados políticos europeus em plena guerra fria, contra o bloco dos países socialistas e comunistas, passou a recepcionar membros bem mais modestos como Grécia, Turquia e México, por motivos da estratégia geopolítica mundial desse bloco identificado como ocidental, frente ao bloco oriental. Em seguida, já neste século, pós-queda do Muro de Berlim, a OCDE passou a admitir como membros novos países politicamente alinhados ao Ocidente, em especial alguns antigos membros da ex-Cortina de Ferro soviética, como Polônia, Estônia e Lituânia. Aqui na região sul-americana, os dois membros da OCDE são Chile e Colômbia, o que dispensa maiores explicações sobre o grau de alinhamento aos “primos ricos”.
A OCDE traria para o Brasil uma disciplina e um certificado. A disciplina seria a de não fugir muito a certas práticas econômicas, trabalhistas e ambientais consideradas boas políticas para o país. E o certificado viria pela maior segurança dada pela admissão à OCDE quanto às decisões de investimento de empresas estrangeiras no país. Mas qualquer olhar mais acurado sobre essas supostas vantagens nos dirá que não teremos nem mais disciplina de boas práticas nem qualquer certificado de boa conduta no trato de investidores externos só por sermos membros desse clube.
A lista de transgressões de países, atuais membros da OCDE, às mais diversas recomendações de políticas “racionais” é grande demais para ser mencionada aqui. A OCDE simplesmente não dispõe de mecanismos para advertir ou punir “maus membros”. Nenhum país deixará de quebrar, por exemplo, como aconteceu com a Grécia, só por ser membro desse clube de nações ilustres.
O rol de boas práticas da OCDE não é segredo para os países não-membros. O Brasil pode, a qualquer hora, adaptar e adotar uma, várias ou todas essas boas práticas. Se não o fazemos, não será por indução do ingresso ao clube da OCDE que nos corrigiremos. A decepção dos comportamentos desviados persistirá. Ou alguém duvida de que nossa vizinha Argentina – outra recém-convidada a ingressar no clube – somente por conta do convite da OCDE, irá agora se aprumar da enorme crise secular em que está afundada desde a emergência do peronismo naquele país?
Definitivamente, o ingresso do Brasil na OCDE, além de não nos resolver nenhum problema interno, pode se tornar, uma nova fonte adicional de embaraços diplomáticos, já que a desastrosa administração fiscal do país costuma atrasar até anuidades de organizações e aluguéis de nossos imóveis no exterior.
Convenhamos: a lista do que precisa ser decidido e implementado por Brasília nunca dependeu de opiniões de organizações internacionais. A OCDE será, com boa vontade, apenas mais um atrativo posto diplomático a ser preenchido por um felizardo a ser expatriado para Paris. Assim como, na mesma toada, a recente invenção de mais um posto de representação diplomática do Ministério da Economia em Washington, por decreto assinado ainda nesta semana por Bolsonaro – criando mais uma despesa redundante de representação na capital americana, já repleta de graduados funcionários brasileiros dedicados a fazer a mesma coisa, reflete a apoteose da ineficiência da nossa máquina pública e uma inequívoca manifestação da completa falta de rumo deste governo em fim de feira.
Pena que o grande Groucho Marx não esteja mais entre nós. Se convidado a Brasília, para dar uma consultoria à equipe de Bolsonaro, é provável que lembrasse que comédia à equipe de Bolsonaro, é provável que lembrasse que comédia é vida e esperança e que um comediante não pode produzir o riso num país vestido com o luto das ilusões perdidas.