O desabafo de Paulo Guedes, ministro da Economia, a renomados jornalistas da mídia nacional, revela bastante sobre seu desencanto com a atual situação econômica do país. Revela mais, sobre a difícil tarefa pesando nos ombros de uma única pessoa, encarregada de tocar a grande orquestra da política econômica num Brasil cheio de grupos privilegiados, de “seres especiais” e de larga diversidade de agendas regionais e setoriais. O ministro Paulo Guedes estava profundamente magoado ao afirmar: “A minha biografia foi aniquilada. (...) Disseram que eu não faço nada, que não entrego nada, que prometo e não faço. (...) meu compromisso (é) com 200 milhões de pessoas (os brasileiros). Eu não estou preocupado em sair bem no filme”. Momento de dor íntima e reflexão intensa.
Guedes não está sozinho nessa frustração de tentar endireitar o Brasil e sua economia. Pelo contrário: se olharmos para trás, mesmo não voltando longe na nossa história, colecionaremos as mais variadas expressões de decepção de competentes condutores da economia: desde a divertida desilusão de um mestre como Eugênio Gudin – que ficou só sete meses de ministro – quando se saiu com esta: “Só tive uma amante, o Brasil, e ele sempre me traiu!”, passando pelo genial Roberto Campos, deixando o ministério pelo elevador dos fundos, ou um estelar Mario Henrique Simonsen, colocando um calção de banho para afogar na praia de Ipanema as mágoas de cinco anos de frustrante dedicação, ou um Pedro Malan, deixando o cargo com a maior taxa de juros da era do Real.
Foram poucos os ministros de Fazenda que puderam bradar, como Júlio César, “vim, vi e venci”. Nesse nobre sentido de missão, Paulo Guedes vai entrando para a história de nossa gestão econômica como mais um entre os muitos que vieram para dar o melhor de si. O ministro não deveria, por isso, estar numa curtição tão autorreferente, precocemente cismado com sua própria biografia.
A solidão de Guedes é dura, mas não é novidade. Já houve, tantas vezes antes, ministros emparedados pelo jogo político. Como lembrava o maestro Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Existe resumo melhor e consolo mais adequado? Paulo Guedes veio para o governo como um principiante; jamais pisara antes em prédio público como servidor do Estado brasileiro. Nem ele nem, tampouco, os mais de 10 colaboradores diretos que Guedes trouxe a tiracolo, a maioria deles marinheiros “de primeira viagem” na gestão pública. Principiantes largados na Esplanada de Brasília, num zoo povoado de bichos políticos felpudos e com garras afiadas. O doutorado em Chicago, com os melhores mestres americanos, de pouco valeu ao ministro, iniciante no perigoso tapetão da política de bastidores.
Difícil dizer por que situações e desafios Guedes será lembrado, se pela gestão da pandemia, correta no varejo, mas incompleta no atacado, ou se pela silenciosa contenção do festival de tolices que, se endossadas pelo ministro, já teriam estourado muitas vezes o teto do Orçamento federal. Como jogador de defesa, Guedes passou bem; como artilheiro, revelou-se um grande goleiro. De fato, não foi possível marcar gols de fazer a torcida vibrar nas arquibancadas. A maioria do elenco de Guedes, que com ele jogava no primeiro tempo, foi pedindo para sair de campo, um após o outro, acentuando a suprema solidão do líder de uma revolução liberal que jamais sequer saiu da quimera.
Sonho difícil de materializar, na ausência de um plano minimamente operacional para a tal “virada da economia”. Esse plano nunca foi sequer para o papel. Ficou em declarações esparsas. A construção de uma agenda efetiva é mais uma lição para quixotes iniciantes na (quase impossível) arte de governar o Brasil: é preciso ter os projetos prontos e arredondados, não apenas esboços ou concepções, que não se harmonizarão, depois, ao rígido regime jurídico do país, muito menos às idiossincrasias dos donos das máquinas política e financeira. Uma vez de volta às caminhadas no Leblon, Guedes só precisará lamentar não ter sido alertado mais cedo para a advertência do colega liberal chileno Hernan Buchi: “No governo, o tempo sempre corre mais rápido”.
O tempo também começa a correr mais rápido para o Brasil em 2022. O país virou um solteirão de cuca mole, que errou de endereço para a balada de sábado à noite. Estamos sozinhos na pista do desenvolvimento perdido, prestes a repetir a dose de Bolsonaro, desta vez sem Guedes (como nos antecipa o senador Flávio) ou com passagem já reservada de volta ao passado, para encenar o terceiro ato do infindável musical “E o Lula levou”. Nossas opções encurtaram a olhos vistos, com a diferença de que, para o coletivo do aflito povo brasileiro, não adianta desabafar como ministro em fim de jornada; é vida que segue, para ser vivida e vencida.