Em mais dois anos – 2024 – o Plano Real completa 30 anos de duração. Naquele 1º de julho de 1994, entrava em vigor uma nova era, com promessa de estabilidade dos preços e a volta de um crescimento vigoroso, como até os anos 1970. O país convivia, então, com uma superinflação de até 2.000% ao ano e achatamento salarial provocado pela corrosão do poder de compra do trabalhador. Era o chamado “imposto inflacionário” provocado pelo excesso de emissões de um dinheiro em contínuo processo de perda de valor. O real, moeda que sobrevive até hoje, chegou como um grande alento para a população sofrida. Com isso, o ministro responsável pela implantação do Plano Real – FHC – conseguiu se eleger duas vezes, no ano de 1994 e, em seguida, em 1998, derrotando Lula em ambas as campanhas, mesmo com a economia no chão da segunda vez.
Com alguns personagens novos – e outros antigos, apenas muito mais velhos –, a história se repete na frente dos brasileiros. A inflação, que não caminha mais nos píncaros dos quatro dígitos, avança, no entanto, pelos dois dígitos. Em março último, o IPCA de 12 meses atingiu a furiosa marca de 11,3%, registrando 1,62% no mês, um recorde para março em toda a era do Plano Real.
Razões oficiais para essa alta não faltam ao discurso do governo. A principal desculpa é que estamos em boa companhia, pois até nos EUA e Europa os índices dispararam. Nos EUA, não há família que não tenha sentido o beliscão da inflação acima de 7% ao ano. A Europa vai no mesmo caminho, insuflada pela crise de energia, e agravada com o bloqueio de importações de carvão e de petróleo da Rússia. Aqui, o efeito danoso da inflação está sendo combatido da maneira mais dolorosa pelo Banco Central, via juros na lua, depois de haver perdido a mão da “ancoragem das expectativas” do mercado. A serpente dos preços há muito não obedece mais à flauta mágica do banqueiro em Brasília. O mercado promove altas contínuas nas expectativas semanais, a 11ª alta consecutiva da pesquisa Focus. É uma derrota evidente da política econômica do governo, que só encontra paralelo na destruição econômica que o PT de Dilma havia deixado em 2016. Portanto, estamos num teatro de guerra interna sem inocentes de nenhum lado.
Nesse cenário inflacionário, já sabemos quem mais perde: a população assalariada, com ou sem carteira assinada, a imensa maioria do povo que, um dia, torceu para o Plano Real dar certo. Faz quase 30 anos. E muito pouco aconteceu desde então. Mesmo no tão decantado período do presidente Lula, em que um surto monumental de preços de produtos agrícolas e minerais deu de presente ao país a chance de se reencontrar com um crescimento sustentado, o que se viu foi o aumento permanente da extração de “dinheiro bom” das famílias e empresas – via carga tributária – para financiar programas populistas e distribuição de vantagens indevidas a grupos.
Tal extração econômica foi contínua, ano após ano, lançando dinheiro bom e reprodutivo em atividades estéreis ou improdutivas. E a extração, na jugular da economia produtiva, veio só crescendo, como o beijo de um vampiro, desde o período FHC, passando por Lula e Dilma, por Temer e, agora, Bolsonaro. Não há ideologia nenhuma nessa extração, que se repete em todos os governos da era do Real, pois todos – sem exceção – têm adotado uma só matriz econômica, baseada em tirar da base da economia (trabalhadores e empresas, especialmente PMEs) para entregar ao sustento das máquinas obesas dos três poderes, nos três níveis de governo.
Mais gastos, sempre, e por todos os motivos e desculpas. O parco crescimento das atividades produtivas é que paga a conta do miserê nacional. A regra da extração é simples: é preciso fazer crescer a carga tributária e a dívida pública, esta quando os impostos não alcançam cobrir a gastança. Não por acaso, o próprio governo vem de anunciar que a carga tributária, calculada oficialmente, encostou em 34% do PIB. O número, na prática, é maior, pois, se computado o déficit público anual, a extração governamental chega aos 40% do PIB. Não há sociedade que possa suportar tamanha extração anual sem consequências fatais ao seu desenvolvimento. Essa é a “única razão” do nosso pífio crescimento anual. Porém, os discursos vazios dos pré-candidatos nem abordam nossa doença maior: a conjugação infame de mais inflação e mais extração. Será o Brasil ainda capaz de sobreviver aos seus políticos? As urnas de 2022 nos responderão.
* Paulo Rabello é economista e escritor. Quer comentar ou republicar? rabellodecastro@gmail.com