Desaparecido há quase meio século (em agosto/77), o norte-americano Elvis Presley, rei do rock, continua vivo para milhões de fãs mundo afora, e suas músicas ainda são reproduzidas como hits em pistas de dança onde predominam – eufóricos – os que nem sequer haviam nascido quando o roqueiro tremendão se foi. Vivo ou morto, Elvis se tornou um “clássico”, em permanente demanda. Ocorre o mesmo fenômeno da sobrevivência secular fora do mundo da música, quando a oferta de prateleira é fraca, não desperta entusiasmo, gerando saudades e vontade de retorno (“recall”) daqueles que passaram deixando marcas e lembranças, inclusive as não muito positivas.
Enfrentaremos em outubro uma nova eleição, bem parecida com a sugestão de pedir ao DJ para tocar um sucesso de Elvis, a fim de pôr fogo na festa. Em geral, funciona muito bem, mas sem chance de prolongar a animação por mais de duas ou três faixas de música. Lula versus Bolsonaro será mais uma Saturday Night Fever. Aliás, já está sendo, por causa da animação que nos embala com as lembranças dos “feitos” de um ou de outro. São esperanças legítimas, mas em tudo semelhantes à convicção de quem acha que Elvis não morreu. A carente realidade brasileira, na interação com o conturbado cenário internacional projetado à frente, remete os comentaristas de plantão a se perguntarem onde estão os planos desses candidatos, o que pensam eles disso ou daquilo, e a lista de temas relevantes que não para de crescer. Apenas a meio ano do primeiro turno, não se tem senão vagas especulações para tentar preencher a farta curiosidade dos analistas políticos e econômicos. De planos mesmo, nada.
Grande verdade é que os candidatos da hora odeiam esta pergunta: cadê teu plano?. “Meu plano sou eu, ora, bolas!” A pergunta é, de fato, totalmente impertinente. Candidato não produz plano; quando muito, revela uma quimera, uma doce expectativa que pode ser, entre outras coisas, estar lá apenas como guardião contra a presença do adversário que tanto repugna o lado de lá. Quando muito, o candidato apontará um economista para preencher o noticiário sobre como vê o teto de gastos (tem de mudar “alguma coisa”), a reforma trabalhista (não pode mexer no que funciona bem; no resto, sim), a retomada pós-COVID (vai indo mal, mas vamos turbinar), a extensão do Auxílio Brasil (claro!), a última alta da gasolina (será revertida com a troca da diretoria), a correção da tabela do Imposto de Renda (foi mal esquecer, mas do ano que vem não passa)... ah, sim, a reforma tributária (“novos estudos a caminho”) e, sem dúvida, as privatizações (somos 100% a favor de todas que já ocorreram). A esse apanhado de reveladoras declarações é importante sempre acrescentar prioridades nacionais, como educação na frente de tudo, saúde logo depois, indústria e empregos com carteira, pesquisa, infraestrutura, Mercosul e tudo isso que se diz antes do pleito.
Também costumam nos perguntar sobre cenários pós-eleitorais. O que ocorrerá neste ou naquele caso? É algo decepcionante ter de admitir que pouco ou nada mudará em 2023. O Judiciário – reconhecido pela velocidade da “coisa julgada” – será o mesmo, a começar pelo STF. O atual Congresso (‘meu pirão primeiro'), com suas emendas parlamentares e fundos eleitoral-partidários, investirá firme para que o Centrão não se mova do meio das decisões na próxima legislatura, a promover mais dez ou 20 emendas constitucionais fixadoras de direitos perpétuos e irredutíveis para seus grupos e a serem arcados pelos contribuintes. As burocracias de Estado (quanto tempo me falta?) continuarão prontas a colaborar, dançando rock ou música lenta. Por que um novo ocupante do Palácio do Planalto, com sua turminha, haveria de abalar esse delicadíssimo equilíbrio de forças? Um equilíbrio delicado, sim, mas fortíssimo, pois que baseado num extenso regime de tolerâncias recíprocas com pequenas e grandes corrupções, trocas normais de vantagens e privilégios, mimos, afagos e outros carinhos de rinocerontes.
A “operação” de bastidores, que, no fim do século 18, livrou todos os inconfidentes mineiros do aperto da corda no pescoço, levando apenas o distraído alferes Tiradentes ao enforcamento e exposição de membros esquartejados, comemorada neste ano com batuque de carnaval micareta, nos relembra que muito pouco mudou desde então. De certa forma, podemos suspirar e daqui murmurar, com melancólica esperança: Tiradentes não morreu!.