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Estado de Minas COLUNA

O velho mito do "governo grátis" ainda permanece muito vivo no Brasil

Por motivos semelhantes aos vizinha Argentina, somos sempre candidatos a bobos justamente por sermos ricos como nação


16/07/2022 04:00 - atualizado 16/07/2022 07:14

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O ditador Juan Domingo Perón já se foi há muito tempom mas o mito continua vivo (foto: EMILIANO LASALVIA/AFP)

O título da nossa conversa de hoje não é o que parece ser, mas passa perto. Não me refiro a Jair Bolsonaro, que os seguidores chamam de mito, até com razão. Falo de outro mito, nascido muitos séculos antes e que vai durar muito mais do que o Jair. Falo do mito do “governo grátis”. A crença num governo que não precisa tributar para gastar, e que pode gastar sem prestar contas do que gasta e onde gasta (o “gasto secreto”) é uma espécie de religião vudu onde a divindade é o governante da hora e o milagre é o “pão e circo” – desde Roma Antiga e mesmo antes – financiado por dinheiro falso ou dívidas que não serão saldadas depois.
O governo grátis busca sua permanência a todo custo e isso depende de manter os súditos desatentos às consequências das bondades que o governante estende às massas necessitadas. Sempre foi assim e, portanto, não é exatamente uma novidade, salvo pelo fato de que as populações não passam suas experiências para frente (salvo pelo estudo afiado da história). Assim, sempre haverá um povo honesto e jovem a ser enrolado com as benesses do poder.
 
No livro “O mito do governo grátis” – publicado em 2014 pelas Edições de Janeiro, com coautoria de Augusto Cattoni – ao ensejo das benesses criativas do PT no poder, que embalaram a maior recessão brasileira de todos os tempos no país, apontei outros casos mundiais de crises agudas em países diversos, todas, sem exceção, motivadas pela crença estapafúrdia, mas recorrente, de que os  governos podem tudo, a começar por imprimir dinheiro falso e gastar sem rédeas para acudir qualquer necessidade popular, sem preocupação com o orçamento e o limite das receitas disponíveis. Mas apontei também, naquela coletânea de más experiências mundiais, que as populações também aprendem com erros do governo e, eventualmente, se revoltam contra seus mitos, exigindo nas ruas realidade e seriedade.
 
Esses momentos especiais de “virada” da opinião pública são muito relevantes, em geral coincidindo com uma eleição, uma revolta popular, uma crise de fome, uma espiral de preços. Se bem aproveitada, a dor da constatação de que o mito é mentira pode ser o “ponto culminante” da crise e o momento em que tudo começa a melhorar com a adoção de uma gestão pública eficiente.
 
Mas há povos e países que parecem ser duros de aprender. Nossa vizinha Argentina é um desses agrupamentos humanos dotados de enorme riqueza material e humana, porém resolutos na insistência de jamais incorporar experiências malfadadas como aprendizado útil. “Não aprendem nunca”, diria alguém impaciente com a repetição de erros. Há meio século acompanho a derrocada argentina, que se instalou com um mito: o ditador Juan Domingo Perón. O personagem já se foi há muito tempo; mas o mito continua vivo. Há outros mitos sempre prontos a capturar a imaginação de povos empobrecidos pela perda de lideranças verdadeiras.
 
No Brasil, viramos presa fácil. Por motivos semelhantes aos da vizinha Argentina, somos sempre candidatos a bobos justamente por ser ricos como nação, embora a riqueza aqui seja tão mal compartilhada. Isso garante aos manipuladores do poder, especialmente em Brasília, uma cidade hospedeira de mitos, que dali sejam expedidas ordens para despesas públicas sem lastro a pavimentar a permanência ou o retorno desses mitos ao trono do poder.
 
Governo que finge a gratuidade de suas bondades é um truque velho e por demais repetido. Mas produz, enquanto dura a mágica, a impressão de solidariedade do político com seus liderados e a crença mítica do povo nos poderes quase extraterrenos do prestidigitador. A última mágica do ilusionista, um pacote de benefícios de R$ 41 bilhões, aprovada esta semana com a ajuda do Congresso Nacional, que só vale até o próximo 31 de dezembro, eis o novo tipo de gratuidade “provisória” inventado pelos saltimbancos legislativos.
 
Reconheço haver faltado um capítulo em meu livro, dedicado ao prestidigitador liberal, aquele que cresce na mitologia popular investido do discurso do realismo econômico e da austeridade nas finanças, que promete com cara limpa a busca incessante do equilíbrio fiscal e a retomada do progresso para, enfim, usar a sedução de uma ‘virada liberal’ para operar um tortuoso retrocesso ao poço escuro da recessão com inflação e ao empobrecimento geral. Acho que todos sabem de que mágico estamos falando. Com certeza, para nossa desdita, os mitos continuam bem vivos.

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