Com seus R$ 144 bilhões de dívida consolidada (exceto precatórios), o estado de Minas Gerais é mais um – entre os quatro grandes endividados da Federação brasileira – a tentar buscar o equacionamento da “batata quente” financeira que amarra suas finanças desde muito antes da repactuação da gestão Michel Temer, em 2016. Estamos no fim de 2022; lá se vão seis anos (o tempo completo da 2ª Guerra Mundial) e a batalha da dívida empacada de Minas perante o Tesouro Nacional permanece indefinida, apesar da adesão recente do governo mineiro ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), uma espécie de “concordata financeira” cheia de amarrações administrativas e muito poucas válvulas efetivas de desbloqueio da economia do estado.
Para entender como surge a bola de neve da dívida estadual, é preciso remontar a duas décadas passadas, 1998, quando o próprio governo federal retirou do mercado os títulos estaduais, “federalizando” as dívidas existentes, assim se tornando “credor” dos estados. Deveria ser uma condição temporária, mas ficou permanente. A subserviência financeira dos estados à União promoveu a “infantilização” política da Federação brasileira, com governadores dependentes da procissão periódica aos corredores de Brasília para equacionar sua sobrevivência no fim de cada mês.
Raras são as unidades da Federação que prescindem desse beija-mão. Essa é a raiz do enorme desequilíbrio de poder entre a União e os estados, estes últimos submetidos de modo permanente ao passeio de recursos até Brasília e, por via de favores e leis especiais, repassados de volta aos estados. Os fundos de participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) nada mais são do que passeios de verbas carimbadas pelos favores federais.
A conclusão inevitável, às vésperas de se comemorarem os 200 anos da “Independência nacional”, é que a Federação brasileira, de fato, ainda não existe. Para emitir um título de dívida no exterior, um estado da Federação precisa de aval federal e licença do Senado Federal. Verdadeira revolução tem que acontecer nessa relação de subserviência espúria, raiz do atravancamento do país como um todo.
É espantoso reparar como os recém-divulgados programas de governo, tanto dos candidatos estaduais como os do governo federal, passam, salvo raras exceções, inteiramente ao largo dessa dupla questão federativa: a repactuação definitiva das dívidas estaduais e a repartição federativa de tributos, dentro do âmbito de uma ampla e verdadeira reforma tributária.
Por enquanto, em 2023, o país irá de “mais do mesmo”, empurrando com a barriga a questão federativa, que deveria ser redefinida de imediato na próxima legislatura. Ainda é a ignorância dos fatos que nos dá as cartas. Não precisaria ser desse jeito. A repactuação federativa é possível, necessária e urgente. Deve começar pelo recálculo das cobranças feitas, desde 1999, quando da “estatização” das dívidas estaduais, ao se impor um índice de reposição inflacionária – o IGP da Fundação Getulio Vargas – e um juro real claramente inadequados para tal fim.
O progressivo descolamento do IGP em relação à inflação do consumo geral (IPCA), medida pelo IBGE, ao longo de décadas, se traduziu numa tal sobrecarga de juros que o próprio “credor”, a União, resolveu promover em 2013 a troca do indexador e do juro real, agora na base de IPCA + 4% ao ano. Naquela oportunidade, o governo federal já deveria ter revisto a base de correção e juros para trás. Isso teria, por certo, resultado na desnecessidade da repactuação geral e rolagem para frente das dívidas estaduais na era Temer.
Para se ter uma ideia do tamanho da diferença, a dívida de Minas, se recalculada com base em IPCA 4% a.a. desde 1999, resultaria numa redução, no momento presente, de cerca de R$ 79 bilhões. Ou seja, em vez dos R$ 144 bilhões atuais, a dívida de Minas seria de apenas R$ 65 bilhões.
Simultaneamente ao recálculo de dívidas – que deve ser simétrico de modo a também “premiar” aqueles estados menos endividados –, o próximo governo deveria promover, na sequência, a colocação em mercado dos novos títulos estaduais, que não mais terão garantia federal, já que cada unidade federativa deve assumir sua maioridade financeira e ter suas contas públicas acompanhadas pelos investidores nesses papéis.
Uma revolução financeira de destravamento geral ocorrerá no modo de gerir as finanças dos estados brasileiros. Sem perda de tempo, a reforma tributária deve vir para garantir o descruzamento de tributos, deixando a renda nacional como base da tributação federal e a tributação de bens e serviços para os estados e municípios.
A tributação do consumo deveria prever a manutenção de uma parcela módica (4%) do ICMS para os estados produtores (na origem da produção), onde se garantiriam recursos para a recomposição ambiental e outros custos coletivos decorrentes de atividades industriais, mineradoras e agropecuárias. Essa, numa rápida síntese, é a chave para se abrir a porta dos empregos produtivos e da recomposição da confiança neste esperançoso país de Dom Pedro.