“Na vida, importante é ter sorte. E insistir, enquanto ela não chega!” Este adágio popular se aplica, mais uma vez, à situação do nosso país no futuro próximo. Na aparência, o cenário de 2023 se revela tenebroso, com desemprego ainda muito alto, queda da renda das pessoas e elevação expressiva da pobreza e da miséria absoluta. No campo financeiro, os juros continuam os mais elevados do planeta, o déficit fiscal federal segue implacável, os investimentos muito baixos, os estados apertados e a carga tributária sufocando o setor produtivo e as famílias. Na saúde, educação, segurança e transportes, reina a mesmice e a mediocridade dos resultados. Que candidatos, em sã consciência, teriam coragem e conhecimentos para enfrentar tal cenário, como presidente ou como governadores?
Abaixo da superfície está escondido um outro Brasil. Muitos nos referimos a este país como sendo o do solo fértil, da água abundante, das fontes de energia e minerais. Um povo disposto a empreender e trabalhar duro. Tudo verdade. Mas o potencial atual do Brasil não é só o das dádivas divinas. Considere um país sem dívidas relevantes em dólares (o oposto da vizinha Argentina) e centenas de bilhões em reservas. Considere uma Federação organizada em 27 estados, sendo destes, nada menos que 23 com uma dívida consolidada líquida (DCL) igual ou inferior a 40% de sua receita corrente líquida (RCL) anual.
Ou seja, a grande maioria dos estados saldaria, se precisasse, o total de sua dívida junto à União com menos de um semestre de receita fiscal. Mesmo os mais endividados – RJ (174%), RS (163%), MG (153%) e SP (119%) – conseguiriam liquidar sua dívida com menos de dois períodos anuais de receitas (*). Há seis estados, inclusive – com destaque excepcional para Mato Grosso – que têm mais dinheiro em caixa do que dívida.
Por incrível que pareça, o resultado financeiro da pandemia, por transferências federais vultosas e por efeito da inflação subsequente, foi muito favorável às finanças de estados e municípios. O quadro fiscal federativo é bem diferente da catástrofe pintada pelos candidatos. No momento, quem sofre mesmo são os pagadores de impostos, as empresas e as famílias.
O ano de 2023 é, portanto, a janela de oportunidade para se inaugurar um novo começo para o país. É preciso reorganizar duas relações fundamentais: primeiro, a relação entre Brasília e a Federação (o Pacto Federativo), que precisa passar da dependência à maioridade política e financeira dos estados e municípios. Em segundo lugar, é preciso recompor a relação entre a máquina do Estado e o povo que paga essaconta (é o Pacto Social).
O Pacto Federativo começa pela revisão da dívida dos estados e municípios junto à União. O conjunto dessa dívida cairia até 50%, num novo arranjo de pagamentos, que podem virar fluxo de investimentos em infraestrutura nas diversas regiões do país. Um “pacotaço” de grandes e pequenos projetos, de energias limpas, de saneamento e vias de transporte, de águas e ambiente, de novas tecnologias e saúde, mudarão a cara do país em quatro anos.
O Pacto Federativo depende de uma providência essencial: reforma tributária e administrativa, no primeiro dia do novo governo. Com redução drástica da carga de impostos sobre setores penalizados, mais progressividade na renda e moderação do novo imposto de consumo (IVA). O IR deve virar um imposto federal exclusivo, enquanto o IVA deve pertencer à Federação, os estados e municípios.
Em 2024 os orçamentos públicos já poderão ser facilmente executados, com novas regras de eficiência nos gastos e uma contabilidade de custos associada a todo e qualquer programa de despesas. Não é difícil aprovar essa mudança na nova legislatura. Não se acuse nenhum “centrão” de ser o obstáculo, sem antes tentar essa aprovação. Mas há um elemento-chave na negociação política: a revisão das regras deve ser ampla e imediata, perpassando todos os capítulos constitucionais cuja alteração se fizer necessária. O grande equívoco dos governos recentes foi tentar reformas “fatiadas”. Pelo contrário, a reforma – ou melhor, a revisão constitucional – apropriada para 2023, é a revisão sistemática e orgânica, nunca a limitada e em “pedaços”.
O futuro Pacto Social está contido em tal revisão ampla da Constituição federal. Hoje é o Estado brasileiro, a máquina pública, que sufoca o cidadão e impõe crescimento pífio à economia, com alto desemprego crônico. Ao se inverter essa polaridade, o próximo presidente e governadores, com ajuda do Congresso, poderão inaugurar uma nova era de forte desenvolvimento com verdadeira inclusão produtiva de todos, sem deixar ninguém para trás. Apesar das nuvens pesadas e do discurso político de fim de mundo, nunca foi tão fácil virar o jogo da estagnação brasileira. Nossa desgraça tem sido a repetida perda de oportunidades pelo simples desconhecimento de fatos e potenciais de solução, solenemente ignorados pela maioria dos postulantes a capitão do navio. Portanto, não culpe o mar pela má navegação. Navegar bem é preciso.
(*) Dados do Tesouro Nacional (Siconfi). Ref. 2º bimestre 2022