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Estado de Minas COLUNA

O Diabo mora nos detalhes

Se você quiser saber quais testes foram feitos para estudar os impactos que essa troca acarretará, a resposta espantosa é: Não há testes!


11/03/2023 04:00 - atualizado 11/03/2023 07:40

Covid
(foto: Câmara dos Deputados)


Matérias técnicas e, por natureza, complexas exigem exame aprofundado e testes sucessivos antes de uma aprovação. Vacinas são um bom exemplo recente. Todo cuidado foi pouco – e muitos ensaios prévios foram necessários – antes de se aprovar a vacina da COVID para uso geral da população. E os estudos ainda continuam. Mas, tragicamente, estamos para votar no Congresso um texto que muda os atuais tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) – matéria complicada e cheia de meandros – sem os mínimos cuidados de verificação antecipada das consequências dessa mudança para um imposto geral chamado IBS (Bens e Serviços) e mais um imposto “seletivo”. Se você quiser saber quais testes foram feitos para estudar os impactos que essa troca acarretará, a resposta espantosa é: Não há testes!

A proposta em discussão no Congresso está nas chamadas PECs 45 e 110, dois textos que reformam a tributação de tudo que você paga em qualquer transação comercial, seja uma compra em supermercado ou loja de construção, ou pelos serviços médicos, pela escola, na passagem de ônibus, na conta de luz, no posto de combustíveis etc. Em tese, a ideia é boa porque os tributos atuais são demasiados e com, pelo menos, 5.600 leis diferentes. Vivemos num manicômio tributário. Daí o Congresso ter criado, anos atrás, um SIMPLES, que é a mesma tributação do manicômio, só que menos complicada e se pagando tudo num único boleto. Simplificar a vida do contribuinte, tornando a arrecadação mais eficiente, são objetivos corretos de uma “boa reforma tributária”. Isso é urgente.

O diabo mora nos detalhes: como chegar a uma fórmula simples, que não deixe prefeitos e governadores sem as receitas esperadas e que não signifique, na troca de tributos, que haverá grupos de pessoas, ou atividades econômicas, pagando muito mais do que antes. A boa reforma tem que partir de uma neutralidade e equidistância social em relação às situações vigentes pois, caso contrário, os eventuais perdedores iriam se insurgir contra a mudança. Esse é um ponto-chave do sucesso de uma boa reforma, que as tais PECs 45 e 110 fazem questão de não observar. De fato, as propostas do governo fazem o contrário: propõem aumentar o custo tributário da cesta básica em mais de 60%, como também, em proporções parecidas, os tributos sobre remédios, médicos e hospitais, cursos e escolas, corte de cabelo, manicure, advogados, e até em transações de carros e motos usados, terrenos e casas. O diabo está escondido por trás de uma narrativa fake de que todos ganharão com a mudança quando todos pagarem a mesma e única alíquota de 25% ou mais (não se sabe ainda qual...) independentemente de a compra ser a de um carrinho de supermercado ou uma bolsa Louis Vuitton no shopping mais chique de São Paulo.

Os inventores dessa atrocidade tentam tratar, de modo igual, coisas e situações essencialmente desiguais, atropelando princípios, até constitucionais, como a chamada “essencialidade”. Mas o diabo é sincero. Reconhecendo que a população mais pobre vai levar a pior com o aumento brutal de tudo que entra no seu orçamento, a proposta do governo, que se diz popular e sensível com as dificuldades do povo, é fazer um cheque “devolvendo” o tributo de quem não poderia arcar com uma sobrecarga de até 30% nas suas compras. O governo em Brasília dirá quem pode receber a devolução. Mas por que esse passeio de tributos para dentro e para fora dos cofres do governo? Serão milhões de brasileiros correndo atrás de mais uma “bondade” oficial, mais uma devolução, mais uma assistência, como se o país só tivesse desvalidos. O lugar de fazer os ricos e abastados pagarem mais não é no supermercado ou no salão de beleza, mas no imposto de renda, cuja reforma, por sinal, o governo deixou pra lá...

Os problemas das PECs das arábias não param de ser desvendados. O período de “transição” da tal reforma, previsto para durar 10 anos, é uma dessas bombas: os tributos antigos ainda existirão, enquanto os tributos novos estarão também em vigor por até 10 anos! O inferno vai se instalar nos escritórios de contabilidade, hoje já assoberbados por milhares de leis e decretos diferentes. As infrações fiscais vão se avolumar com dois sistemas tributários distintos funcionando lado a lado (a maluquice programada). Multas e ações contra o contribuinte vão se empilhar na porta das empresas. É previsível que, à vista do pandemônio fiscal, o Congresso faça o que fez com a CPMF, votando, no futuro, para extinguir a invenção malfadada.

Está mais do que na hora de a sociedade, especialmente o empresariado, os líderes políticos de estados e municípios, pararem um minuto para pensar no que estão deixando seus representantes aprovar nos próximos dias. Uma vez instalado e morando de favor, o diabo não costuma gostar de ser expulso da casa.

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