Com seus mais de 20 artigos e cerca de uma centena de comandos constitucionais, e ainda deixando um punhado de dispositivos para leis complementares, o texto da Reforma Tributária do consumo não representa a mudança esperada pelo povo brasileiro. Porém, o fato de sair do impasse e votar, foi um avanço notável e a Câmara dos Deputados teve esse mérito.
Nada obstante, o texto que agora vai para o Senado contém defeitos graves: não trouxe maior simplicidade ao sistema tributário mais complicado do planeta; não respeitou a neutralidade sobre os efeitos na reforma pretendida, na medida em que elegeu “perdedores” – que pagarão a conta – notoriamente os 5.570 municípios do país, os estados maiores produtores primários e os profissionais e empresas do amplo setor de Serviços.
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O país murchou. É o que mostra resultado preliminar do IBGEO Plano Real dos impostos brasileiros para simplificar e desonerarO Brasil é um país maduro para empobrecer e pronto para explodirCabe ao Senado, a partir de agosto, tentar aperfeiçoar o texto e isso invoca os três citados objetivos, a conduzir e inspirar o novo relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM): simplicidade, neutralidade e velocidade.
A inexplicável falta de uma planilha geral de simulação das alterações tributárias pretendidas – os deputados votaram a matéria sem ter a mínima ideia dos impactos numéricos do que estavam aprovando – resultou numa improvisação total sobre qual seria o valor da tal “alíquota reduzida” do IVA dual (IBS mais CBS) que beneficiará várias atividades com corte de 60% sobre a “alíquota padrão”, cujo nível até hoje tampouco se conhece
O Senado não pode votar como fez a Câmara, no desconhecimento dos efeitos do que estará decidindo. A consequência de votar no escuro é vislumbrar com atraso os futuros problemas e, com isso, aceitar hoje soluções improvisadas, abrindo múltiplas exceções às regras gerais do novo imposto. Isso seria decretar o fim da desejável simplificação do sistema.
Simplificação só virá com mais informação, o que exige o conhecimento dos aspectos operacionais de um aplicativo Onda (Operador Nacional de Distribuição de Arrecadação) capaz de reproduzir as operações fiscais atuais. Por meio de um simples aplicativo, o próprio Onda pode preencher a nota fiscal, calculando a alíquota e lançando o tributo. Em seguida, como hoje no Simples, a ferramenta do Onda fará a repartição entre os entes que hoje apropriam a receita.
Uma vez feito isso, será possível simular as mudanças introduzidas pelo novo IVA. E, também, calcular com razoável precisão o perde-ganha do processo, de modo a “neutralizar” esse efeito indesejado dos prejuízos que hoje
ameaçam muitas atividades no setor de serviços, bem como as receitas dos municípios e de vários estados exportadores líquidos.
O Atlântico já tem esta ferramenta delineada. Não é difícil perceber a absoluta necessidade de se implantar um aplicativo do tipo Onda para viabilizar um IVA da era digital – 5.0. O Atlântico vem insistindo, há anos, com os sucessivos relatores dessa reforma, sobre a conveniência do Onda como solução eletrônica avançada para simplificar, neutralizar prejuízos e, especialmente, acelerar a implantação da reforma.
Não há razão plausível para se esperar até 2033 quando, só então, se teria um novo sistema tributário do consumo. A demora de anos na implantação do IVA trará um acúmulo de novas exceções à regra geral, desfigurando a reforma ainda nascitura. Há urgência e conveniência em se “virar a chave” para os novos tributos, deixando os velhos para trás, tão logo se aprove a reforma e suas leis complementares. A maior velocidade na implantação – seja em 2025 ou, no máximo, em 1º janeiro de 2026 – viabilizaria operar o Onda como uma câmara de compensação federativa.
A crítica que já se faz ao bizarro Conselho Federativo – uma invenção da reforma que agride a Federação em sua representação política e comprime os poderes do próprio Senado – pode ser contornada pela adoção do Onda, que seria uma ferramenta amiga dos contribuintes, ao preencher os dados essenciais de uma nota fiscal eletrônica, assim dispensando o tal Conselho de funções executivas (de arrecadar e repartir) bem como as judicantes (de julgar conflitos). Melhor do que isso, seria regulamentar o Conselho de Gestão Fiscal (previsto no art.67 da LRF desde 2000!) que o Senado regulamentou mas a Câmara nunca votou.
Restariam algumas providências de simplificação. A polêmica contribuição estadual (COI) prevista no art.20 do texto aprovado, não precisa subsistir, bastando que o “princípio do destino” nas receitas do IVA (100% das receitas para o estado consumidor) tenha sua implantação modulada em relação à situação atual em que os estados produtores ficam com 7% ou 12% da receita do ICMS interestadual.
Na modulação, a retenção na origem ficaria em, digamos, 4%. Com essa singela alteração, mitigaremos os prejuízos antevistos por estados exportadores de bens primários, como MT, GO, MS, MG, PR etc, todos perdedores no texto atual da reforma. Outra supressão simplificadora seria a do Imposto Seletivo, que ameaça se tornar o novo vilão do setor industrial. Para eliminar o Seletivo, basta se introduzir uma “alíquota majorada”, na forma ad rem, dentro do próprio IVA. Menos um tributo.
Por fim, resta atacar a omissão mais grave do texto da Câmara, que deixou de encaminhar uma solução para os encargos de INSS sofridos pela folha de pagamentos. A primeira e óbvia providência é permitir a dedução desse gravame como crédito dos Serviços na liquidação do IVA. Alternativamente, se pode deslocar a atual incidência sobre o custo laboral para a remuneração do capital. Ou ainda, pela introdução de uma microtaxa nos pagamentos em geral. São soluções viáveis, que exigirão o olhar atento dos senadores e senadoras, não apenas em termos teóricos mas, sobretudo, ao examinar as simulações numéricas que faltaram como informação aos deputados.
Se o Senado, no entanto, quiser caprichar em simplicidade, neutralidade e velocidade, haverá de adotar o descruzamento das verbas do IR em relação às contribuições federais. Tal descruzamento é tão simples quanto poderoso: o governo federal cede a estados e municípios grande parte da receita de sua futura CBS (que não precisa mais existir!) na exata proporção do valor dos fundos estaduais e municipais (FPE e FPM), enquanto ganha de volta o IR para ser exclusivamente federal, voltado ao equilíbrio das regiões e à cobertura previdenciária. Para fechar: é essencial incluir na PEC do Senado regra autoaplicável de limitação da carga tributária total e avaliação permanente de cada rubrica do gasto público sob a ótica de seu retorno social efetivo.
Para dar certo, fazer menos e melhor é preferível a fazer muito e mal.