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Estado de Minas

O país do futuro está envelhecendo com rapidez espantosa

Parte da população estimada pelo IBGE, que deveria existir no território nacional em 2022, simplesmente sumiu


29/07/2023 04:00
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Último Censo apontou crescimento menor da população do que as projeções
Último Censo apontou crescimento menor da população do que as projeções (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS)

Ainda não tivemos tempo de mastigar e digerir os primeiros resultados do Censo Demográfico produzido pelo IBGE em 2022. Mas já sabemos que algo muito grave se passou na década roubada de 2011 a 2020. O Censo cobre esse período, estendendo-o até 2022 pelo atraso na sua realização. A população residente do Brasil em 2022 ficou em 203,1 milhões de pessoas, contra 190,7 milhões contadas no Censo de 2010. O acréscimo foi de 12,3 milhões de indivíduos, o que representa um crescimento de 6,5% no período, correspondendo a apenas 0,52% de expansão anual, a mais fraca evolução populacional do Brasil desde a primeira contagem realizada em 1872.

Cabe a pergunta: onde foram parar os brasileiros? É uma questão incômoda, de resposta desagradável e profundamente decepcionante para nossa alma patriótica. Também vivi e sempre nutri a esperança no futuro do Brasil como impulso de vida e de trabalho. Embora não podendo reclamar no campo pessoal, reconheço que constituo uma exceção: o conjunto da nação, que vinha apresentando desempenho morno desde os anos 1980, passou a sofrível e – nas décadas recentes – ao estado catastrófico, com todas as sirenes invisíveis de alarme tocando para quem tem ouvidos para escutar.

Os resultados preliminares do Censo 2022 também são sirenes tocando sem cessar. Parte da população estimada pelo IBGE, que deveria existir no território nacional em 2022, simplesmente sumiu. A diferença é enorme, não importando como se faça a conta. Vamos ficar com a última projeção do IBGE, que seria de 208 milhões, deixando de lado aquela da partida do Censo, quando o governo ainda anunciava que a pesquisa iria “concluir que o país tem 215 milhões de pessoas”. Então, como explicar o sumiço de, pelo menos, cinco milhões de pessoas?

Mesmo lembrando a tragédia da COVID, que ceifou cerca de 700 mil vidas oficialmente, mas que pode ter ficado em um milhão, onde estariam os outros quatro milhões de residentes? Há três explicações principais, todas terríveis, clamando por uma virada radical em nossa maneira de encarar coletivamente o futuro do país. Cerca de metade dos quatro milhões de sumidos – ou seja, dois milhões de pessoas – estão hoje registrados noutras partes do mundo, especialmente nos EUA e na Europa (Portugal em destaque). O Itamaraty, por meio de nossos consulados, vem capturando aumento de 1,4 milhão de emigrados para o exterior entre 2013 e 2020 (de cerca de 2,8 milhões de emigrados, registrados em 2013, para 4,2 milhões em 2020).

No atual ritmo frenético de saída de brasileiros, estimo que o fluxo, entre 2011 e 2022, deva ter alcançado cerca de 2 milhões de emigrados. São pessoas, em geral, com capital financeiro e educacional, que deixaram o Brasil por não mais enxergarem aqui as mínimas expectativas para si e suas famílias. Os que hoje acorrem para nosso país são, em grande maioria, pobres e refugiados, oriundos de nações vizinhas, como Venezuela e Haiti.

A diferença na qualidade dos fluxos migratórios é evidente. Mas o potencial de perda líquida entre imigrações e emigrações é gigantesco. Recentes pesquisas revelam que metade dos brasileiros sairia do país, se pudesse, para tentar a sorte noutro país. O fator econômico, o fator violência urbana e o desapontamento com as lideranças políticas, nessa ordem, explicam a forte intenção de deixar o Brasil.

Existem, ainda, dois elementos negativos a somar na explicação pela quase estagnação da população brasileira. Um deles é a própria violência urbana que ceifa algo como 50 a 60 mil vidas por ano, além de provocar o pavor dos que fogem do país (ou se mudam de grandes centros) pelo medo da roleta russa da delinquência pandêmica. É só fazer contas para computar cerca de meio milhão de vidas retiradas, pela violência, da população brasileira nos últimos doze anos. Falta explicar mais 1,5 milhão de vidas insubsistentes. Este terceiro elemento de supressão, iremos encontrar na decisão íntima de mulheres e de casais. Com a elevação acentuada do custo de se educar e criar um filho, somada ao encolhimento do mercado de trabalho e estagnação da renda familiar, a decisão de engravidar foi inibida por todos os lados. A norma passou a ser a de casais com apenas um filho, quando não sem filho algum.

A população brasileira envelhece com rapidez espantosa, sem reposição de crianças e jovens (estes sendo mortos aos milhares, anualmente). Não é necessária uma iniciação em matemática atuarial para se projetar a completa falência da atual estrutura de aposentadorias. A última reforma da previdência, inconsistente, mal escondeu os explosivos déficits atuais e futuros do INSS. As autoridades não estão nem aí para a catastrófica realidade previdenciária que bate à nossa porta.

Lidar com o novo panorama brasileiro, de um país que vai ficando velho sem ter ficado “rico” – diga-se, desenvolvido, afluente, com amplas oportunidades –, é o desafio que nem passa pela cabeça dos principais mandatários do país. Se houvesse um plano, este seria baseado no remédio eficaz para a estagnação populacional, pelo avanço da produtividade geral. Mas, justamente essa, também está empacada há décadas. Pesquisa da Elsevier-Bori sobre produção científica em 51 países revela que, em 2022, Brasil e Ucrânia (esta, por motivo óbvio) foram os países com maior recuo na publicação de artigos técnicos, com queda de 7,4%, enquanto a Índia, por exemplo, avançava 19%, próxima à China. Seria razoável perguntar que tipo de “guerra” é essa que tem imobilizado o Brasil. Quem, afinal, invade e bombardeia o nosso “país do futuro”, como se fôssemos uma imaginária Ucrânia dos trópicos?




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