Quando a Reforma da Previdência foi aprovada em 2019, a pessoa mais orgulhosa pelo feito era o então ministro da Economia do governo Bolsonaro. Paulo Guedes nutria a expectativa de obter, a partir da reforma, “uma economia de 1 trilhão de reais” ao longo da década seguinte, pela redução no ritmo de desembolsos do INSS. A equação estimada por Guedes era simples: adiava-se o gozo de benefícios, pela postergação da idade mínima para se aposentar, ampliavam-se os requerimentos para a concessão do benefício, enquanto se elevavam as receitas por majoração das alíquotas de contribuição.
O contribuinte do INSS começaria a pagar mais, para se aposentar mais tarde. O maior custo das contribuições até aposentar foi agravado pela menor expectativa de vida ao usufruir do futuro benefício. O ministro, embora formado numa escola do pensamento liberal – a Universidade de Chicago – que postula o princípio dos “incentivos econômicos” como guia da ação humana, alimentou a ilusão de que o segurado do INSS iria ficar plantado na condição de prejudicado, encarando uma piora do seu custo-benefício de se aposentar pelo INSS, sem tentar reagir e buscar alternativas a essa rasteira do Congresso Nacional. Ficar parado, sem reação, diante de uma ameaça, não é próprio da condição humana.
Dito e feito. O contribuinte foi buscar um jeito de contornar a desvantagem de ser segurado da Previdência Social, na condição de empregado com carteira assinada. Nesse “plano CLT”, o INSS cobra cerca de 30% sobre o valor do salário bruto mensal, na soma da contribuição do empregado com o que o empregador recolhe sobre a folha salarial. É um custo previdenciário enorme, dos maiores, senão o maior do mundo. Diante desse custo desproporcional aos duvidosos benefícios prometidos, centenas de milhares de contribuintes vêm trocando de planos ou abandonando as contribuições ao INSS para fazer seu próprio pecúlio.
Outros tantos foram empurrados para fora da cobertura do INSS durante a onda de desemprego que ocorreu durante a pandemia da COVID-19. Ainda outros milhares de trabalhadores, ao trocarem de plano, se tornaram microempreendedores individuais (MEIs) ou sócios de uma empresa do Simples, cujos custos de cobertura pelo INSS são muito mais baratos, porque bancados pelos pagamentos dos empregados no regime CLT e pela sociedade em geral. Todos nós, como consumidores, pagamos pela previdência dos outros, ao comprar mercadorias ou serviços, encarecidos pela Cofins embutida nos preços em geral. No Brasil, a verdade é que ninguém sabe direito porque ou quanto paga por sua futura aposentadoria.
A lei dos incentivos econômicos funciona como um bom relógio suíço: as pessoas vão sempre preferir mais vantagem por menor custo ou sacrifício. Desde o advento da reforma de 2019, que prejudicou os contribuintes CLT, embora permitindo planos subsidiados de contribuição ao INSS, a arrecadação previdenciária não teve a recuperação esperada pelos projetistas daquela “economia de um trilhão”. Após os efeitos negativos da COVID-19, houve maior expansão da informalidade no mercado de trabalho.
Enquanto isso, a arrecadação total vem sendo prejudicada pelas trocas de plano, porque no MEI, no Simples ou no Funrural, o segurado contribui com um tíquete mensal muito mais baixo do que no plano CLT. A Previdência Social brasileira virou um “Robin Hood” às avessas, em que se cobra um tíquete mensal exagerado aos assalariados CLT para compensar os subsídios embutidos na previdência rural, no MEI, no Simples e, agora, também, nos 17 setores “desonerados” de contribuir pela folha de salários. Somos um país que só fala de democracia da boca para fora, mas pratica a maldade diária de tratar os iguais como desiguais.
O resultado líquido das contas do INSS segue no vermelho e se agravando. O buraco se aproxima de R$ 300 bilhões em 2023, algo impensável ao tempo em que o Congresso Nacional aprovou a reforma. Há 10 anos, o buraco entre arrecadação e despesa previdenciária girava em torno de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões por mês, com a previdência CLT ainda superavitária. No último mês de julho, o INSS informou um déficit mensal da ordem de R$ 23,8 bilhões, na mesma proporção dos negativos exibidos antes da reforma da Previdência. Com alguns agravantes. Um deles é a fila dos novos pedidos de benefícios. São quase 2 milhões de solicitações esperando por despacho, cuja fila vai aumentando enquanto o INSS joga para frente o gozo de benefícios devidos.
A “bomba” mais poderosa contra a débil estrutura financeira do INSS está para ser detonada em breve. É a “revisão da vida inteira”, decisão do STJ, de dezembro de 2019, que manda recalcular a aposentadoria de segurados que contribuíam desde antes de julho de 1994, cujos aportes ao INSS, nesse período, têm sido injustamente desconsiderados no cálculo do valor de suas aposentadorias. Estas podem até dobrar de valor. A decisão do STJ foi contestada pelo INSS no Supremo Tribunal que, no entanto, confirmou o comando do outro colegiado.
Condenado a rever as contas dos aposentados, o INSS ainda busca adiar a bomba, oferecendo embargos quanto à modulação da aplicação da sentença. A controvérsia está entre se aplicar o recálculo sobre a data de dezembro de 2022 (versão de Alexandre de Moraes) ou dezembro de 2019 (versão da ministra Rosa Weber). Enquanto isso, vigora a suspensão nacional dos processos de revisão de contas, que já se acumulam. A grave repercussão financeira desse recálculo, entre tantas outras injustiças praticadas contra os contribuintes do INSS, demonstra o quanto a reforma Previdenciária de 2019 já precisa pedir sua própria aposentadoria.