Os jogos de cena da política brasileira ressaltam as mais variadas narrativas do futuro, seja para culpar os alegados responsáveis por mazelas recorrentes, como a falta de dinamismo da economia do país, seja para enaltecer os supostos heróis que resgatarão a nação das garras do imobilismo e da decadência. As decisões do Congresso Nacional também são tomadas com base em meras narrativas, que contêm fantasias sobre esperados benefícios das leis a serem votadas.
Assim transcorreu durante a votação, na Câmara Federal, do texto substitutivo à PEC 45, a reforma dos tributos sobre o consumo, aprovada em duas rodadas-relâmpago, no início de julho, sem que os deputados soubessem sobre o que, de fato, estavam deliberando. A fantasia por trás da narrativa triunfal sobre as virtudes escondidas da tal reforma tributária é que ela nos devolverá crescimento, empregos e prosperidade, a perder de vista. Porém, nem um por cento dos parlamentares votantes seriam capazes de reproduzir uma única linha sobre como tais qualidades da reforma irão produzir a liberação das forças produtivas do País.
Olhando a realidade por baixo da narrativa fantasiosa, enxergamos justamente o contrário. A reforma tributária aprovada só começará a se implantar em 2027, após o mandato de Lula. Quem garante que o próximo presidente não venha a concorrer e ganhar a eleição de 2026 montado no discurso de que essa reforma precisa ser revertida por elevar (como, de fato, quer elevar) o imposto dos prestadores de serviços e, no limite, até de segmentos da indústria, o setor que se pretenderia desonerar? A reforma dos impostos, que agora se discute no Senado, promete mais confusões no seu caminho. Durante sua implantação, conviverão – juntos – os atuais e os novos tributos, até 2033, daqui a dez anos. Parece mentira, mas nunca se viu, no mundo, reforma tributária desse tipo, que não elimina os tributos que seriam suprimidos, por falta de certeza sobre o que se está fazendo. A convivência de uma contabilidade empresarial dobrada e de regras duplicadas será o suplício dos empresários e contadores do Brasil. Será o paraíso dos litígios judiciais envolvendo dúvidas sobre as novas regras, com dezenas de novos dispositivos legais ainda a ser votados em leis complementares.
A narrativa dos propositores da reforma tributária é a do céu a prazo, mas a realidade para nós, pagadores de impostos, é a do inferno à primeira vista. Ainda há tempo, no Senado, de se tentar alcançar a prometida simplificação e redução do enorme gravame tributário em que o País hoje se atola. Mas será que os parlamentares entenderam como funciona uma economia vigorosa e empregadora? Parece que não, a julgar pelo recente “arcabouço fiscal”, como assim se chama a nova regra para conter os gastos públicos, finalmente aprovada após idas e vindas no Congresso Nacional.
Apesar da fé colocada na narrativa de que a reforma dos impostos nos salvará do impasse do baixo crescimento, a realidade é que o gasto público, ineficiente e estéril, com recursos sugados das famílias e das empresas, é o que vem matando nosso futuro. Por motivo simples de entender: nenhum governo gasta com a prudência e inteligência de quem ganhou o dinheiro com o suor do seu trabalho. Toda transferência da mão do pagador do imposto para o governo envolve um custo, uma perda.
Quando aumenta a carga de impostos, essa perda se alarga e vai criando um buraco na produtividade geral do País. A nova regra do “arcabouço fiscal” se torna contraditória quando atrela o avanço do gasto público à futura receita de impostos. Se esta última decorrer do alargamento da carga tributária, o aumento do gasto do governo só trará mais improdutividade, pois nunca compensará o que se terá perdido de despesa cortada no campo privado pelo avanço da tributação. Faltou no arcabouço uma regra para a redução gradual da própria carga tributária e uma revisão periódica do gasto público, conforme avaliação de sua efetividade, por um conselho de gestão fiscal.
O exemplo mais escandaloso de como a narrativa política é sustentada pela fantasia é a exclusão do fundo constitucional do Distrito Federal de qualquer controle pela nova regra do tal “arcabouço fiscal”. Quase ninguém sabe que fundo é esse, em favor do DF, ou porque ele existe, e quanto os contribuintes do Brasil inteiro transferem anualmente ao DF. Se lhes disser que é para reforçar a garantia de segurança pública e defesa da capital da República, das autoridades de governo e do patrimônio federal, até concordaremos serem válidas tais despesas extras, para evitar episódios como o da baderna e depredações nas manifestações do 8 de janeiro.
E quanto tem custado tal reforço de segurança todos os anos? Quanto seria razoável gastar nisso? Quinhentos milhões; talvez um bilhão de reais? Agora os números: este ano, a estimativa é de 23 bilhões de reais! Essa cifra estapafúrdia e grotesca soa como mentira de quem a cita. Mas é a realidade nua e crua de um País que gasta com a segurança que não entrega, que faz CPI de 8 de janeiro para avaliar dano ao patrimônio sem examinar quanto se gastou para não proteger nada do que foi depredado. É o que os psicólogos chamam de dissonância cognitiva, quando alguém teima em prometer o que não fará ou entregará.
Prometemos a reforma dos impostos, mas o prazo é 2033 e, antes disso, tudo poderá ser alterado. Votamos um arcabouço fiscal para controlar despesas; mas, há uma década, seguidamente descumprimos a regra anterior e repetimos déficits que elevaram a dívida pública. O futuro não nos reserva senão outros descumprimentos. Estamos descolados das avaliações realistas sobre nosso futuro. Como um grande coletivo desorientado, preferimos a fantasia, embalados por promissoras narrativas.